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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

Contra a Indiferença

28
Jan09

Os Arquivos como imprescindível memória!

Fernando Nobre

Como a questão da importância dos arquivos históricos se colocou recentemente numa troca de comentários, decidi publicar este texto. Ele exprime bem o que penso sobre o assunto e a importância que para mim tem a preservação do registo da História.

 

O tema dos Arquivos em matéria de Direitos Humanos afigura-se de suma importância se queremos falar com seriedade histórica “documental” do nosso passado e se pretendemos olhar com lucidez, coragem e frontalidade para o nosso futuro colectivo enquanto Humanidade. Tal implica necessariamente, quanto a mim, a possibilidade de termos acesso a factos e fontes fidedignos e credíveis, sempre que possível comprovados e não manipuláveis, da nossa memória colectiva o que só é possível com a existência de Arquivos bem documentados, actualizados, vivos e acessíveis que permitam o estudo, a reflexão e a pesquisa com fundamento. Só com esse depositário inviolável e insubstituível nos será permitido um correcto olhar sobre o nosso passado a fim de que, esclarecidos, possamos assumir o nosso presente sem preconceitos nem branqueamentos silenciadores da história e perspectivar o nosso futuro, com decoro, no respeito pelas fronteiras fundamentais reguladoras de uma salutar convivência humana que, se não fossem violadas, permitiriam uma convivência sã entre os seres humanos e a construção de um Mundo harmonioso e solidário. E só assim impediremos que a nossa memória e razão se dilua ou, pior, se apague nas brumas dos interesses políticos, económicos ou históricos conjunturais: nada seria pior para o nosso futuro colectivo do que o desvanecimento dos factos e memórias contidos nos Arquivos.

 

É bem verdade que um povo se perde quando fica amnésico e perde as suas raízes!

 

Importa desde já afirmar e salientar o que de todos é sobejamente conhecido: os Direitos Humanos Fundamentais incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) das Nações Unidas de 1948, ratificada pela esmagadora maioria dos Estados e Governantes, continuam por se cumprir para uma parte muito significativa da população do planeta Terra. A Pobreza é um dos factores condicionantes e determinantes desse não respeito e também da mortalidade e injustiças hoje observadas no Mundo.

É pois muito útil, diria mesmo imprescindível e justo, que os Arquivos contenham também, nos seus acervos, dados objectivos da evolução da pobreza no Mundo, de tão grande relevância se quisermos discutir, em profundidade e objectivamente!, sobre Direitos Humanos.


Ao que acabo de referir sobre a situação tão precária dos Direitos Humanos para boa parte da população mundial, temos que acrescentar, como factor particularmente nefasto para a situação actual no Mundo, a vigente perversa e espúria tendência, assumida às claras, de se substituir a Força do Direito pelo Direito da Força que gera, ipso facto, como corolário imediato e infelizmente amiúde observado, o surgimento de caldos políticos incentivadores ou permissivos à tortura com comportamentos, particularmente desumanos, cínicos e hipócritas que importa desde já estigmatizar e arquivar na nossa memória colectiva a fim de que não possam ser negados amanhã por aqueles que os estimularam. Dispondo de Arquivos, a sociedade humana democrática poderá confrontá-los, assim o entenda!, com as suas atitudes passadas.


A esse título, e como meros exemplos de práticas condenáveis muito recentes, que importa não sejam esquecidos, refiro: a campanha agressiva e sistemática da administração Bush contra o Tribunal Penal Internacional e o protocolo de Quioto; o desencadear de guerras preventivas ilegais pretensamente fundamentadas em descaradas mentiras e outras falácias; as torturas quase generalizadas praticadas sobre prisioneiros de guerra e outros resistentes, em países ou territórios ocupados, por forças de países assumidos e vistos como democráticos, nomeadamente nas iníquas, inqualificáveis e famigeradas prisões de Guantanamo em Cuba, de Abu Ghraib no Iraque e a “1391” em Israel; e as transferências de prisioneiros para países “amigos e aliados” para aí serem barbaramente interrogados, torturados ou executados...sob o pretexto de “luta contra o terrorismo”! Essas iniquidades (nunca será demais repetir, por mais que nos doa!), são praticadas descaradamente por países que constitucionalmente e por tradição histórica são, aparentemente!, apologistas e defensores da Democracia.


Não nos esqueçamos nunca - e os Arquivos relembrando-nos tais actos horrorosos aí estão para impedir que tal aconteça (e é por isso que deverão permanecer invioláveis) - o que fizeram os nazis aos resistentes, por eles apelidados de terroristas! É um alerta oportuno, penso eu, porque já hoje se vislumbram, por parte de alguns historiadores, escritores e cineastas...a tentação e vontade de humanização e branqueamento dos comportamentos genocidários imundos de facínoras do quilate de Adolfo Hitler, Staline, Pol Pot, Pinochet e outros.


É útil, diria mesmo indispensável, que se aborde e se trate com objectividade, graças aos arquivos ainda disponíveis, o que realmente aconteceu nos períodos negros da História da Humanidade. Quero referir apenas, en passant, e sem recuar ao louco Nero ou aos massacres dos Cátaros ou da São Bartolomeu em França, os genocídios dos índios nas Américas, nomeadamente na América do Norte, o genocídio dos aborígenes na Austrália, a matança no Gueto de Varsóvia, a mortandade nos campos de concentração na guerra dos Bóeres na África do Sul, o genocídio dos arménios pelos turcos, os campos de extermínio nazis (com o genocídio dos doentes mentais, velhos “inúteis”, judeus, ciganos e resistentes), os gulags da URSS estalinista ou da China maoista, o genocídio no Camboja, Sudão, Ruanda, Burundi, na R.D. do Congo, as matanças no Chile ou na Argentina, o famigerado plano Condor na América Latina...assim como os milhões de inocentes apagados como Anne Frank e os milhares de lutadores pelos Direitos Humanos e resistentes desaparecidos, torturados e fuzilados no Mundo inteiro como, por exemplo, Wallenberg e Jean Moulin.
 

É neste ponto fulcral, quanto a mim, que os Arquivos adquirem toda a sua importância porque são a nossa “MEMÓRIA IMPRESCINDÌVEL” e uma das muralhas, com a Educação e o Direito Internacional, hoje tão mal tratado, que a sociedade humana civilizada institui, contra a barbárie. Os Arquivos têm, quanto a mim, sobre a matéria dos Direitos Humanos, repito, um duplo objectivo essencial: - não permitirem, ou dificultarem, que se apaguem ou branqueiem crimes passados e com as fontes sábias que contêm, desde que acessíveis e promovidas; - servirem de faróis que, iluminando-nos!, podem e devem contribuir decisivamente para a implementação de boas práticas conducentes à construção de um Mundo mais belo, harmonioso e sábio.

Efectivamente, a conservação de documentação objectiva (relatórios, correspondência diplomática, militar, jornalística, fotográfica, livros, filmes, diários e outras provas documentais) e a possibilidade do seu acesso por parte dos historiadores, investigadores e simples cidadãos assim como das escolas e organizações da sociedade civil é insubstituível a fim de que não seja permitido a certos poderes instalarem ditaduras do vazio e do esquecimento fazendo crer aos seus povos que foram sempre “heróis e mártires”... o que seria muito prejudicial para todos aqueles que pugnam pela Democracia e pela Liberdade.


Os Arquivos, como certos lugares paradigmáticos (tais como museus, bibliotecas, monumentos, campos de concentração, de tortura, de extermínio...ou certas prisões), são locais insubstituíveis para recordar a Memória e a História colectiva que importa não esquecer: ao conservarem recordações, provas e factos eles permitem evitar interpretações falaciosas nomeadamente no que diz respeito às violações dos Direitos Humanos como no caso de grande actualidade, e relevância política sobre o possível futuro alargamento da União Europeia à Turquia, do genocídio dos arménios pelas autoridades turcas de 1915 a 1918 durante a primeira Guerra Mundial.


Na Península Ibérica, e nisso o conteúdo dos nossos arquivos teve, tem e terá sempre um papel essencial, importa que nunca nos esqueçamos, nomeadamente, de três períodos de graves e violentos atropelos dos nossos direitos e garantias colectivos. Refiro-me explicitamente:
_ 1º) à expulsão, ou à conversão coerciva, dos muçulmanos e judeus em Espanha, pelos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão, após a tomada de Granada em 1492 e em Portugal a expulsão dos judeus, após a morte do insigne Rei D. João II em1495, com o advento do rei D. Manuel I e suas negociações matrimoniais com as filhas dos reis católicos.
_ 2º) à Inquisição, na Península Ibérica, assim como nas colónias de Portugal e de Espanha, como período persecutório e particularmente violador dos direitos humanos. Sabemo-lo hoje sem a mínima dúvida graças aos arquivos históricos.
_ 3º) aos regimes ditatoriais de Salazar e Franco.


Quanto a Portugal, sobre a matéria em apreço, nunca é de mais relembrar a perseguição enraivecida, encarniçada, destruidora e humilhante que o regime de Salazar moveu aos lutadores pela liberdade e nomeadamente ao insigne Cônsul Aristides de Sousa Mendes, incontestavelmente um dos Grandes Heróis da História de Portugal, do Mundo e dos valores universais que a todos deveriam nortear.

 

Haveria, é certo, mais exemplos, mas creio que os exemplos citados são suficientemente elucidativos para demonstrarem o papel central e a importância insubstituível dos Arquivos no estudo da violação dos Direitos Humanos e na luta pela defesa desses mesmos Direitos também nos nossos Estados mas tal é, evidentemente válido para o Mundo inteiro se pretendemos evitar que se repitam derivas totalitárias, se já não estão a acontecer!, com os seus clamorosos, infamantes e sistemáticos crimes contra a Humanidade.

 

É a conservação dessa memória negra da Humanidade assim como dos nobres feitos de heróis e resistentes que importa ver salvaguardada a fim de que, pela sua revisitação e estudo, amanhã talvez possamos vislumbrar um outro futuro para os Direitos Humanos hoje ainda tão violados pela pobreza, guerras e atentados sistematizados à dignidade humana por parte de certos governos e regimes políticos. É o que constantemente sobressai da leitura isenta e idónea dos Relatórios Anuais da Amnesty International e dos alertas constantemente lançados pela Asian Human Right Commission, pela Human Rights Watch e por outras instituições que se consagram à defesa dos Direitos Humanos.

Para que amanhã ninguém diga que não sabia, para que amanhã ninguém diga que nunca ouvira, para que amanhã ninguém diga que jamais vira!


É disso que se trata quando se fala da importância do DEVER DE MEMÓRIA!
 

25
Jan09

Zimbabué - Uma história cinzenta…

Fernando Nobre

Regressei do Zimbabué dia 20 deste mês. Questões pessoais, saúde de uma das minhas filhas, impediram-me de escrever este texto mais cedo.


Como tudo na vida, a História deste país nunca foi preta ou branca, sempre cinzenta...
A tragédia que assola este país (desestruturação do Estado, inflação inimaginável superior a 300 milhões de % em 2008, ditadura, fome, SIDA, cólera, desemprego massivo, desesperança tremenda…) é o resultado de uma colonização e descolonização desastrosas, de uma falta de bom senso gritante nas relações políticas e pessoais entre o país e a sua ex -“potência” colonial, e vice-versa, e de uma desgovernação tremenda por parte de uma liderança africana que teme o seu futuro caso tenha que deixar a cadeira do aparente poder…


Numa visão panorâmica sucinta da sua História mais recente, e por isso sem revisitar a sua pré-história (nem a possível origem dos hominídeos…) nem a história dos seus reinos pré-coloniais, bastará relembrar meia dúzia de factos:


- Cecil Rhodes, ao ocupar o que são hoje a Zâmbia e o Zimbabué (depois Rodésia e mais tarde Rodésia do Norte/Zâmbia e do Sul/Zimbabué) impediu a concretização do sonho português, o bem conhecido “Mapa Cor-de-Rosa”, que consistia em juntar numa faixa, do Atlântico ao Índico, Angola a Moçambique. Este facto, no imediato início do reino de Dom Carlos, terá contribuído para o fim da Monarquia em Portugal, sem culpa nenhuma do Rei Dom Carlos, diga-se de passagem.


- Sob mandato do Reino Unido, em 1961, foi criada uma constituição que favorecia completamente os brancos no poder na Rodésia do Sul (a Rodésia do Norte tornou-se independente com o nome de Zâmbia).


- Em 1965 o poder branco, liderado por Ian Smith, declara unilateralmente a independência. Nasce então a nova Rodésia, branca e racista, não reconhecida pelo Reino Unido e pela Comunidade Internacional, os quais exigiam mais direitos para a população negra.


- Em 1979 ocorrem finalmente eleições livres, após um período de sanções das Nações Unidas e de guerrilha, e nasce o Zimbabué, declarado independente em 1980, no seio da Commonwelth, com Robert Mugabe como Primeiro-Ministro. O mesmo torna-se Presidente em 1987 e, desde então, lá se mantém.


- O caos começa a instalar-se no país no ano 2000 quando Mugabe começa a sua campanha de redistribuição das terras. Essa campanha, que tinha a sua razão de ser (até aí uma ínfima minoria de agricultores brancos continuava a deter a grande maioria das terras agrícolas) foi infelizmente conduzida da pior maneira por parte de todas os interessados (governos do Zimbabué e do Reino Unido e agricultores brancos) que não souberam defender nem salvaguardar os seus “legítimos”, “justos” e “éticos” interesses nem salvaguardar os superiores interesses do país e das suas populações.
Faltou-lhes um De Klerk e um Mandela e alguém no Reino Unido que conhecesse África, tivesse tacto e sensibilidade e soubesse não derramar óleo no fogo, servindo de elemento moderador e conciliador…


- Podia-se e devia-se ter feito, se bem negociada, uma reforma agrária com bom senso, gradual, com cabeça tronco e membros, com adequada e atempada formação dos agricultores negros, até aí, diga-se em abono da verdade, espoliados das melhores terras do país…


- Infelizmente para o povo do Zimbabué, todas as partes em causa, quando era necessário calma, racionalidade, sangue frio e interesse de Estado, reagiram sobretudo com emoção, egoísmo, ambições, por vezes turvas, e ultrapassados e infundados argumentos históricos…


O resultado está à vista: um profundíssimo descalabro que, como sempre, gravemente penalizou um povo inocente. Lá diz um provérbio africano: “Quando dois elefantes andam à bulha, quem se lixa é o capim…”. Assim foi, continua e continuará a ser...
A desastrada reforma agrária levada a cabo só serviu a uma classe política e militar altamente corrupta que se apropriou das terras sem nada produzir… e exilou muitos agricultores brancos que partiram para a Austrália, Nova Zelândia, Moçambique, África do Sul, etc.


Hoje, vive-se uma situação económica e social inimaginável: numa população de 11 a 12 milhões de pessoas, cinco milhões vivem da ajuda alimentar das Nações Unidas, quatro milhões são emigrantes nos países vizinhos (África do Sul, Botswana, Moçambique, Zâmbia e …) para sobreviverem e permitir o sustento dos seus familiares …


Em termos cambiais, apenas três exemplos: - no ano 2008 foram tirados vinte zeros às notas… - dia 17 deste mês foram lançadas as notas de triliões de dólares do Zimbabué: no dia do lançamento, dia 17, a nota de 100 triliões (um trilião = um milhão de milhão) “valia” 1.000 USD para dois dias depois, dia 19, já só “valer” 60 (hoje é possível que só “valha” 2!) – já se fala em lançar notas em ziliões (?), notas com 60 zeros…


Em termos políticos, entre o ZANU-PF e o seu líder o Presidente Robert Mugabe, líder histórico da independência, e o MDC e o seu líder Morgan Tsvangirai, o impasse é total. A última ronda de negociações começada dia 19, ainda eu lá estava, terminou em mais um rotundo fracasso.


Em termos humanos o resultado é, como se depreende de tudo o que já expus, uma tragédia. Mas como o Zimbabué não representa nenhum interesse vital para a liderança global, nem em termos geoestratégicos nem comerciais (petróleo, coltan, urânio, diamantes…), a dança macabra para as suas populações vai poder continuar…
 

Espero que a nova liderança nos EUA se empenhe aqui, como na Região dos Grandes Lagos, na Somália ou no Darfur, na resolução desta catástrofe humana.
Para que tal resulte será necessário, nomeadamente, dar ao Senhor Mugabe a garantia que ele não vai acabar a sua vida como um cão com sarna… como aconteceu, por exemplo no Zaire, com o Mobutu que, após ter bem servido a quem mandava, foi descartado sem dó nem piedade, ainda que padecendo de um cancro em fase terminal na próstata (salve-se a honra de Hassan II de Marrocos que o acolheu para morrer), em nome das cínicas relações e dos espúrios interesses da “real” diplomacia internacional…


É neste cenário que a AMI partirá muito em breve para prestar auxílio humanitário na Diocese de Gokwe, com cerca de 600 mil pessoas, a uns 300 km de Harare… É essa a sua missão.

 

 

PS: Aconselho a que leiam o excelente artigo, da corajosa e exemplar jornalista Alexandra Lucas Coelho (que gostaria de conhecer), publicado hoje sábado 24-01-09 no Jornal Público. É um violento murro no estômago de qualquer ser humano. Só as bestas não se sentiram, ou não se sentirão, arrepiadas de horror ao ler o seu relato. Fala do Gueto de Gaza. Os nazis praticaram também esse género de horrores no Gueto de Varsóvia. É de verdadeiro terror que se trata. Em nome da Humanidade ACUSO de CRIMES CONTRA A HUMANIDADE as forças militares e os governantes que executaram e permitiram tamanha barbárie. Doa a quem doer. E não me venham com cantigas por favor! Leiam antes o artigo!


TRATA-SE DE UM IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA EM NOME DOS SERES HUMANOS! TODOS ELES: SEJAM QUEM FOREM, ESTEJAM ONDE ESTIVEREM E SEJA QUANDO FOR!


 

23
Jan09

Barack Obama: esperança e desanuviamento!

Fernando Nobre

Não posso deixar de exprimir a minha optimista opinião sobre a tomada de posse de Barack Obama como 44º Presidente dos EUA e as consequências que daí poderão advir para os EUA e para o Mundo.


Antes de mais quero esclarecer que considero que a governação do Presidente Obama só poderá ser melhor do que a nefasta actuação do ex - Presidente Bush, o que para todos nós é uma excelente notícia e um grande motivo de alento.
A desgovernação deste último, e da sua perversa e espúria equipa, estava a precipitar-nos para o caos, criando um Mundo cada vez mais perigoso e inquietante.
A maneira maniqueísta, autoritária e primária que tinha de ver o Mundo e os seus desafios globais, e a consequente forma prepotente de se relacionar com os outros, representou um profundo retrocesso para os EUA e para o Mundo em matérias tão vitais como: - a Paz - os Direitos Humanos (cívicos, políticos, sociais, económicos, culturais e ambientais) - o Direito Internacional – a Pacificação entre Religiões e Civilizações – a Defesa do Meio Ambiente – a Regulamentação Financeira – o conflito Israelo-Palestiniano – o Comércio Justo – o Desarmamento…


Obama é portador de Esperança e de Desanuviamento na resolução ou, pelo menos, no amenizar de todas essas candentes questões. Só isso já é muito!
Depois de tudo o que de negativo se viveu nos últimos oito anos, espero, penso e desejo que o Presidente Obama não deixará de marcar a diferença pela positiva, pese embora as portentosas forças negativas, autêntico colete belicista e ganancioso, que já o cercam e tentarão manietar (os lóbis petrolífero, armamentista e incondicional pró governo israelita).
A sua acção terá de ser determinante e decisiva na tentativa de corrigir os desvarios do seu directo antecessor nas seguintes matérias: - melhoria das questões sociais, tais como emprego e saúde dos seus cidadãos – protecção dos mais frágeis nos EUA (e espero também no Mundo) – abordagem multilateral e multicultural, num Mundo hoje multipolar, das questões globais tais como os Direitos Humanos, o Direito Internacional, o meio ambiente, os conflitos internacionais… – abordagem mais ética, imparcial e justa do Conflito Israelo-Palestiniano – maior empenho na abordagem e na procura de soluções dos dramas humanos que flagelam o Mundo e, nomeadamente, África – desanuviamento no Iraque e nas relações com o Irão... - maior respeito pelas Nações Unidas e todos os Tratados e Convenções…


Se o Presidente Obama conseguir essa proeza terá o seu lugar cativo na História da Humanidade que terá todas as razões para lhe ficar grata. Tem sobre os seus ombros uma pesadíssima herança: não pode falhar, ainda que vá encontrar as forças contrárias que já referi, no alcance desses objectivos, vitais para todos nós.
Embora ele já tenha avisado, e quanto a mim bem, que vai cometer erros, que vai haver avanços e recuos, vamos todos dar-lhe força para que não esmoreça na sua vontade de mudança. Possa assim ele contribuir para o surgimento de um outro mundo menos conflituoso, mais ético e humano.
Sim, mesmo com as pedras que com certeza já lhe tentam pôr no caminho, ele vai tentar, não tenho dúvida. Embora pragmático e algo céptico, ainda creio…
 

 

Ele tem de acreditar, e nós também, que um outro Mundo é possível! 
 

 

PS - Por questões de ordem pessoal, ainda não me foi possível terminar o texto sobre o Zimbabué. Fá-lo-ei, como prometido, este fim-de-semana.

21
Jan09

A nossa Pobreza: a nossa Vergonha

Fernando Nobre

Uma vez que tem havido alguns comentários nos quais se afirma ou se insinua que não presto tanta atenção aos problemas nacionais como ao que se passa para lá das nossas fronteiras, decidi, e porque é de diálogo que se trata (afinal um blog serve, a meu ver, para isso mesmo!), deixar este texto sobre a problemática da pobreza e da exclusão social em Portugal. Espero assim conseguir esclarecer todos aqueles que tiverem interesse, sobre a minha posição e sobre o que faço nesse contexto. Para tal, é absolutamente necessário falar, também, do que a AMI faz nesta área, coisa que farei excepcionalmente neste espaço, uma vez que este blog pretende ser um blog pessoal, que mantenho enquanto cidadão e não enquanto Presidente da AMI. 

 

 

A Pobreza e a Exclusão Social (irmãs siamesas) são os principais obstáculos da existência de um bom clima de Paz no Mundo. Incongruências dos tempos modernos, essas graves violações dos Direitos Humanos impedem que se perspective um futuro harmonioso para o nosso planeta. As causas de tamanho paradoxo, num Mundo que nunca produziu e acumulou tanta riqueza, são a indiferença, a intolerância, a ganância e a falta de Amor geradores de guerras, desgovernação e desemprego.

Como problema global que é, o binómio pobreza-exclusão ao envergonhar, humilhar e marginalizar mais de um terço da população mundial, retirando-lhe qualquer esperança, está no cerne de problemas globais tais como: a fome, a imigração, os sem-abrigo, os mercados do trabalho precário e da prostituição, a mortalidade e exploração infantis, o tráfico de sangue e órgãos, a propagação do SIDA, as crianças soldado, a mortalidade materna perinatal, o analfabetismo, as culturas do ópio e da cocaína, a escravatura florescente, a exploração laboral (real motivação de tantas deslocalizações de empresas gananciosas e sem ética social) e ...a terrível insegurança. Não tenhamos dúvidas: é no pântano da miséria, da exclusão e da humilhação (origem de revolta e ódio) que as organizações terroristas recrutam.

Eis o panorama inquietante que pode matar, mais depressa do que pensamos, as nossas Democracias, Liberdades, Garantias e efémeras certezas! É a temível “Bomba Social”: tão falada mas tão menosprezada. Com o rastilho já aceso ela está visível na fome, na imigração massiva, no êxodo rural, nos bairros da lata que asfixiam inúmeras cidades no Mundo, nas legiões de sem-abrigo e meninos de rua, na criminalidade crescente...e está prestes a explodir na cara de todos nós. Disso não tenho a menor dúvida a menos que actuemos já. Pensemos nos Objectivos do Milénio a realizar até 2015...

Portugal não está imune a essa tragédia anunciada. Não nos iludamos: o problema é grave. Pelo menos vinte por cento da nossa população vive na pobreza e os guetos de exclusão social existem! Ainda podem aumentar...São factos indesmentíveis. Só quem não está atento ao país real é que se deixa ludibriar. A pobreza e a exclusão são a nossa vergonha. Só nos resta combatê-la. Com determinação, sem tibieza, com humanismo e compaixão para com o nosso povo onde se incluem, evidentemente, todas as minorias étnicas e comunidades imigrantes, legais e ilegais, que partilham, no seu dia-a-dia, os nossos problemas, anseios e alegrias. Como País de emigrantes que fomos (e continuamos a ser) é uma questão de dignidade nacional.

Em Portugal é possível reduzir drasticamente a pobreza e a exclusão social. Esse objectivo será conseguido se fizermos do imperativo de acabarmos com esta nossa vergonha uma Causa Nacional. Tal exige vontade, meios, empenho e a união de todos: partidos políticos responsáveis, forças económicas cidadãs, sociedade civil esclarecida e organizada e cidadãos voluntários, activos e solidários. Só mobilizados e motivados, em nome de Portugal, criando mais riqueza nacional e não aceitando olhar para essa vergonha como uma fatalidade, ou qualquer atavismo lusitano, é que venceremos. Se não o fizermos, e já, poderá estar em causa a nossa Democracia e o nosso futuro colectivo enquanto Nação.

 

Os números do Departamento de Acção Social da AMI falam por si:


- No ano de 2007 procuraram apoio social da AMI 7.386 pessoas, mais 862 casos do que em 2006. Esses dados referem-se a oito Centros Porta Amiga da AMI: 4 na Área Metropolitana de Lisboa (Olaias, Chelas, Almada e Cascais); 2 na Área Metropolitana do Porto (Porto e Gaia); um em Coimbra; e um no Funchal.

- Da população apoiada pela AMI, 79% é portuguesa e cerca de metade reside na área geográfica da Grande Lisboa. Na área do Grande Porto (Porto e Vila Nova de Gaia) o apoio aumentou de 2.291 para 2.611 pessoas (o que representa 35% da população total). As restantes encontram-se distribuídas pelos centros sociais do Funchal e de Coimbra. Estes números não contemplam os dois abrigos nocturnos da AMI (Porto e Lisboa) bem como o centro social de Angra do Heroísmo nos Açores, inaugurado em Dezembro.

- Tendo por base os anos de 2003 e de 2007, na Grande Lisboa, o número de atendimentos aumentou de 2.712 para 3.729 pessoas. Nesse período, 13.926 pessoas recorreram pela primeira vez aos apoios sociais da AMI. O número de pessoas que nos procuram pela primeira vez não regista grandes alterações ao longo dos anos, com uma média anual de cerca de 2.800 novos casos. Em termos de frequência, registou-se uma média anual de 6.500 casos de pobreza.

- Factor a realçar é o aumento do número de mulheres que procuram apoio. Se, em 2000 e 2001, esta percentagem não chegava aos 45%, em 2007, 53% da população que procurou a AMI era do sexo feminino. O desemprego, a monoparentalidade e a violência doméstica poderão estar na origem deste fenómeno. Na área da Grande Lisboa, este diferencial é mais significativo em centros sociais como Chelas (62%), Almada (58%) e Cascais (57%). Na área do Grande Porto, no centro social do Porto (53%) e em Vila de Nova de Gaia (59%) os valores também são superiores.
Do(a)s sem-abrigo, 24% são mulheres, tendo aumentado 11 pontos percentuais desde 1999. No centro social das Olaias, verifica-se uma tendência inversa, sendo o fenómeno dos sem-abrigo tipicamente masculino.
Os principais motivos referidos por quem nos procura estão relacionados com a precariedade financeira (87%) e o desemprego (40%). Seguem-se as razões de saúde (13%) e a falta de habitação (12%). Os serviços mais solicitados são o Apoio Social (54%%) na procura de um novo projecto de vida e subsequentemente a satisfação de necessidades básicas: géneros alimentares (67%) e refeitório (36%) e vestiário (55%).

- No âmbito do Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados, a AMI distribuiu, desde 2002, perto de 2600 toneladas de alimentos. Durante o ano de 2007, a AMI distribuiu 488 toneladas de géneros alimentares, valor inferior ao ano anterior (530 toneladas). No entanto, o número de famílias apoiadas aumentou de 2.434 (2006) para 5.524. No mesmo período, o universo de pessoas apoiadas passou de 5.137 para 16.531 pessoas, três vezes mais.

- Também nos abrigos nocturnos houve um aumento do número de pessoas apoiadas. No abrigo da Graça, em Lisboa, deram entrada 44 novos casos. Desde 1997, este equipamento já deu apoio a 474 pessoas, número a que acrescem 68 pessoas apoiadas pelo abrigo do Porto. Assim, desde 1997, os abrigos apoiaram 542 homens sem-abrigo em situação de reinserção sócio-profissional. Este trabalho é complementado pelas equipas de rua de Lisboa e Gaia que, durante 2007, acompanharam um total de 119 sem-abrigo.

 

Aconselho ainda a que seja consultado o Relatório de Actividades da AMI, para uma noção do trabalho da instituição, no seu todo, que abrange a área internacional, nacional, ambiental e de alerta de consciências.

 

PS – Até ao final da semana conto poder publicar um texto sobre o Zimbabué. Mas achei que, dados os comentários que aqui foram deixados, urgia que publicasse sobre este tema primeiro. 
 

18
Jan09

Alterações climáticas e as crises humanitárias iminentes!

Fernando Nobre

Desde a Cimeira do Rio em 1992, sobre alterações climáticas e o subsequente Protocolo de Quioto (que os EUA e a China nunca ratificaram) forçoso é constatar que pouco ou nada se fez no que diz respeito às causas responsáveis pelas alterações climáticas do nosso planeta.

O que aconteceu desde então, pese embora a urgência das respostas perante as alterações constatadas (os inquietantes “efeito de estufa” e “aquecimento global”) bem como a elevada previsibilidade das suas tremendas consequências, consubstanciou-se sobretudo, e isto foi muito positivo independentemente dos responsáveis políticos globais, na esclarecida e decisiva tomada de consciência do problema por parte da emergente Cidadania Global. Como consequência dessa metamorfose cívica, ocorreram umas parcas, diminutas e tímidas medidas de contenção por parte de alguns governos e da União Europeia. Mesmo estes não souberam estar à altura das suas responsabilidades ao não reagirem e actuarem com a determinação exigida a curto e médio prazo, remetendo as aplicações concretas dos objectivos medíocres anunciados para prazos dilatados ou até mesmo para as calendas gregas.

E assim, no pântano da indecisão e incompetência, já se passaram 16 anos! Nestes 16 anos poderíamos e deveríamos ter sido muito mais ambiciosos e audaciosos na poupança de matérias-primas através da reciclagem, na substituição dos hidrocarbonetos (do petróleo, do carvão e do gás como fontes energéticas absolutas) e na consequente diminuição das emissões de CO2.

Já então tínhamos as capacidades tecnológicas para o fazer! Faltou, repito, a vontade e a determinação políticas, assim como a sensibilidade humanística por parte do imenso poderio do “complexo petroquímico” que não quis, e continua a não querer até hoje, prescindir de uma parte dos seus fáceis e faraónicos lucros obtidos a partir da exploração das jazidas de matérias fósseis, quase sempre sem as justas contrapartidas de bem-estar para as populações dos países “produtores”.
Pelo contrário, veja-se a miséria oferecida aos nativos, do Médio Oriente à costa ocidental de África, como contrapartida da exploração do ouro negro.

Faltou igualmente, por parte da sociedade civil organizada, e aqui fica o mea culpa, uma sensibilização adequada e sustentada junto das sociedades dos países mais ricos no sentido da contenção do seu consumismo de modo a contribuírem para um desenvolvimento equitativo e sustentado global do nosso planeta.

Em vez de prevenir, preferimos remediar! Eis-nos agora perante a iminência de catástrofes cataclísmicas provocadas pelo aquecimento global, tais como:
• derretimento dos glaciares polares, da Gronelândia e dos picos glaciares onde tínhamos as maiores reservas de água doce do planeta (em breve, por exemplo, já não haverá neve no cume do Kilimanjaro...);
• catástrofes naturais, tais como secas, inundações, tufões e ciclones (um acréscimo de 30% em 2007 comparativamente a 2006, por exemplo!);
• aumento da fome devido às repercussões que as alterações climáticas terão nas colheitas;
• fluxos de refugiados climáticos e guerras pelo controlo dos recursos hídricos;
• subida do nível da água dos mares e oceanos com o desaparecimento já previsto e anunciado de ilhas (no Pacífico e no Índico) e de significativas regiões das orlas costeiras em todos os continentes, incluindo na Europa (ex: região da Camarga, em França) onde já se começa a pensar, como medida preventiva, na construção de diques como os existentes na Holanda;
• ressurgimento de doenças tropicais, tais como a malária, o dengue e a febre amarela, nomeadamente no Sul da Europa (e por isso, em Portugal também) devido à expansão das áreas propícias a insectos vectores (mosquitos...);

Tais consequências são já consideradas irreversíveis, faça-se o que se fizer hoje, para os próximos 25 a 30 anos! Já amanhã! Tal é assumido no relatório anual do International Institute for Strategic Studies que refere que essas alterações poderão provocar conflitos internacionais “equivalentes a uma guerra nuclear” e também pelos delegados do Grupo Intergovernamental de Peritos sobre a Evolução do Clima.

Será preciso mais para acordarmos todos? Ou será que já escolhemos um futuro autofágico e suicida? De que estamos à espera? De mais discursos e mais cimeiras como a que decorreu em Bali, na Indonésia, que juntou cerca de 13 mil pessoas e 190 países, com muita retórica e modestos e decepcionantes objectivos práticos?

Em nome da humanidade, de todos nós, dos nossos filhos e netos É PRECISO ACTUARMOS JÁ, mesmo tendo em conta a irreversibilidade próxima de algumas funestas consequências, resultado da nossa total cegueira das últimas duas a três décadas. O nosso Planeta já não aguenta e não tolera mais os nossos desmandos globais. Não temos sabido escutar e interpretar os muitos sinais anunciadores de mudanças e, por isso mesmo, não soubemos ainda adaptar-nos correctamente aos novos tempos e às suas prementes exigências; temos sido péssimos gestores do nosso bem-estar futuro. Mais levianos e incompetentes é difícil. Somos todos responsáveis da não assistência ao nosso planeta em perigo! É, pois, já uma questão de vida ou de morte! Mais vale um acordar violento do que os cantos de sereia com que alguns irresponsáveis e incompetentes gananciosos globais nos querem adormecer levando-nos ao suicídio colectivo.

A AMI, como gotinha de água que é, está a actuar e prepara-se para o que aí vem. Está a actuar em Portugal e no Mundo, desenvolvendo vários projectos na área ambiental.

Estamos também a preparar-nos para o que pensamos ser, desde já, inevitável: tragédias climáticas e fluxos migratórios massivos. Como? Alargando a nossa rede de contactos globais, criando uma rede social de apoio forte e alargada em Portugal e reforçando as nossas capacidades humanas, logísticas e financeiras para que nos permitam actuar sempre que necessário e possível...
Ao tentarmos antecipar-nos às crises, prevendo-as “tanto quanto humanamente é possível fazê-lo”, e ao tentarmos adaptar-nos às mudanças já inevitáveis, pretendemos, só e apenas, dar o nosso contributo positivo. É a nossa gota de água na construção da Paz e da Harmonia globais. É apenas uma gotinha, mas dela não prescindimos, em nosso nome e em nome dos nossos filhos e netos!


Com todos vós, estou certo, vamos conseguir! Obrigado e um 2009 determinado e tenaz pela construção de um mundo mais justo e harmonioso.

 

 

16
Jan09

Do Zimbabué

Fernando Nobre

Já vamos em 1100 mortos (355 crianças) na Palestina e 13 do lado de Israel. E a matança do governo israelita continua e reforça o Hamas...

 

Enquanto ser humano sinto vergonha, pela Humanidade, por Israel.

 

Deveremos assistir impávidos e serenos a esta tragédia, para todos nós, até dia 20 de Janeiro (tomada de posse de Barack Obama) ou 10 de Fevereiro (eleições em Israel)?

 

Eu não aguento e grito: parem imediatamente com esse horror e terror!

 

Estou farto de desumanidade! Uns são pessoas e outros são baratas? Não posso ficar indiferente perante tamanha barbaridade. Há que parar e dialogar já!

 

Já temos que chegue com o Darfur, a Somália, o Congo, o Iraque, o Afeganistão, a Colômbia, a Birmânia, o Zimbabué...

14
Jan09

Viagem ao Zimbabué

Fernando Nobre

Parto hoje para o Zimbabué, no sentido de me assegurar que a equipa da AMI que lá irá trabalhar durante 3 meses e que partirá em breve, tem reunidas as condições mínimas para a sua estadia e adequado desempenho.

 

Nunca fui ao Zimbabué. É dos poucos países africanos que não conheço. Mas a população deste país precisa, urgentemente, de ajuda externa. O estado de saúde absolutamente precário em que vive aquela gente, e que a equipa da AMI que lá esteve em Dezembro constatou in loco, é grave. Há cólera. Mas há, infelizmente, mais: há muita malnutrição, há SIDA, há órfãos entregues a instituições que mal subsistem… enfim, uma série de males que fazem da população, como sempre, vítima de regimes, de políticas, da corrupção…

 

Deixo alguns textos programados. Certamente, durante alguns dias, não vou poder aqui responder aos desafios que me são colocados, nem desafia-los a mais uns debates. Mas, quando regressar, terei muito para escrever sobre assuntos que já deixaram de estar na ordem do dia, (infelizmente assim é… tudo é relativo na comunicação social e um grande drama humanitário pode ser facilmente esquecido se outra notícia se sobrepuser… seja a eleição de Cristiano Ronaldo como melhor jogador do Mundo ou a chegada de Obama à Casa Branca). Quando voltar (dia 20), o Mundo falará deste homem, e só deste homem.

 

Eu, aqui, também falarei do povo do Zimbabué.

 

13
Jan09

Falta de médicos

Fernando Nobre

Periodicamente somos confrontados, no nosso País, com notícias surpreendentes, e preocupantes, no que à falta de médicos diz respeito.
Como no último verão: ora serviços de pediatria e de ginecologia inoperativos por falta de especialistas em número suficiente para garantir os turnos, ora serviços de emergência médica em ambulância, nomeadamente no baixo Alentejo, parados pela mesma razão…
Tal levou inclusivamente a uma intervenção sui generis e peregrina por parte de um responsável da referida região de saúde (em sintonia com o que já anteriormente tinha afirmado um ex-titular da pasta da saúde) que referiu na altura, para a comunicação social, a necessidade para o nosso País, a fim de se precaver no futuro da repetição das mesmas situações caricatas e chocantes, de “recrutar médicos em África, no Uruguai e no Paquistão!”.


Para mim foi, no mínimo, surpreendente: essas repetidas declarações e tudo o que tem vindo a lume na comunicação social, demonstram que não só não fomos capazes, nos últimos quinze anos, de prever as nossas necessidades básicas, no caso em apreço de médicos (o que teria sido relativamente fácil), como mostram uma tremenda insensibilidade para com povos ainda mais necessitados do que o nosso.


Alguns dos nossos “responsáveis” ao afirmarem, com despudor e sem qualquer pejo, que estamos dispostos, para suprir as nossas mais que previsíveis e antigas necessidades de médicos, a esvaziar dos seus mais valiosos recursos humanos, países e regiões já de si muito carentes, estimulando a fuga dos seus quadros, só demonstram que foram e continuam a ser irresponsáveis: para o País e para esses países menos desenvolvidos!


Actualmente, devido a políticas imprevidentes que resultaram na insuficiência do número de médicos para garantir os serviços de urgência do País, está-se a caminho de exigir que os médicos façam bancos de urgência de 12 ou 24 horas mesmo depois dos 55 anos.
Se tal ideia vingar, perante a urgência da situação decorrente da falta de previdência governativa passada, espero que seja pelo menos optativa! Falo à vontade: não sou funcionário do Estado e por isso as medidas que venham a ser tomadas não me dizem respeito! Mas sei do que falo: fiz centenas de bancos nos serviços de urgência dos Hospitais Universitários de Bruxelas dos 22 aos 34 anos. Sei como seria muitíssimo duro hoje, com 57 anos, passar noites a fio sem dormir, sob enorme pressão e esgotamento e lidar com situações médicas e cirúrgicas de extrema responsabilidade e exigência…
Estamos perante uma situação surrealista: há 15 anos, ou mais, não soubemos ou não quisemos planificar as nossas necessidades básicas (saúde/médicos). Durante esse período, o Estado (Ministério da Saúde e Ministério da Educação), as Faculdades de Medicina e a Ordem Profissional obrigaram por distracção, omissão ou defesa cooperativista de uma classe, a emigração forçada de milhares de jovens valiosos, impedindo-os de fazer os seus estudos de medicina em Portugal, para agora se constatar uma situação de grave ruptura nessa profissão tão necessária para o País.
Esse desnorte, já de si muito grave, destruiu também sonhos, vocações e legítimas expectativas: muitos desses jovens necessitaram de acompanhamento médico e muitos nunca mais voltaram a ser os jovens esperançosos e dinâmicos que tinham sido, e milhares de famílias do nosso País foram afectadas. Conheço algumas e várias escreveram-me descrevendo as revoltas, frustrações e angústias…suas e dos seus filhos!
Muitos desses milhares de jovens obrigados a emigrar para concretizarem os seus sonhos e anseios, magoados e maltratados pelos irresponsáveis do seu país que montaram um sistema de selecção completamente estapafúrdio, injusto e inconsequente, nunca mais regressarão ao nosso país porque a sua formação além fronteiras não é devidamente valorizada, porque por lá criaram novos laços familiares e porque preferiram ou preferem ficar nos países onde se formaram (Espanha, França, Bélgica, Inglaterra, República Checa, EUA, Itália…) ou são aliciados para outros países onde são e serão melhor acolhidos e remunerados como a Suécia…
 

E eu ouso fazer esta simples pergunta: em nome do nosso País lesado, hoje em carência grave de médicos, em nome dos nossos doentes, que padecem da falta de médicos que poderiam e deveriam ter se tivesse havido correcta planificação e organização, e em nome dos jovens e famílias, afectados por tamanha incúria, os responsáveis pelos desmandos dos últimos quinze anos, ou mais, sobre a matéria em apreço, nunca assumirão os seus erros e nunca serão chamados à razão?
 

 

 

12
Jan09

Conflito Israel-Palestina: um apelo à Razão

Fernando Nobre

Vamos no 17º dia de conflito em Gaza e já com mais de 900 mortos e 4000 feridos.

 

A esse respeito quero apenas relembrar que, na altura do conflito da Sérvia com a sua região autónoma, o Kosovo, em 1999, acusavam-se as forças sérvias de terem morto cerca de 900 kosovares como retaliação de ataques sofridos por parte do UÇK. Essa situação levou à intervenção da NATO que acusava a Sérvia de "genocídio". Quando os bombardeamentos da NATO na Sérvia provocaram 900 a 1000 mortos sérvios, falou-se em "danos colaterais". O que eu hoje me pergunto é se em Gaza vamos falar de "genocídio" ou de "danos colaterais"...

 

APELO a um cessar-fogo imediato e ao diálogo.

 

Permito-me transcrever aqui um texto meu, publicado no Diário Económico de dia 9 do corrente:

 

Seria muito longo abordar, com a profundidade histórica, étnica, religiosa, geográfica e económica…necessárias, um assunto de sobremaneira complexo e intricado nos jogos políticos, económicos e militares das potências regionais e mundiais que intervêm no Médio Oriente.
Esta região não precisa mais de óleo sobre o arrasador incêndio, particularmente violento nos dias de hoje, que há décadas lá se vive. Precisa sim de bom senso e razão.
Ponha-se fim imediato ao massacre e instale-se um cessar-fogo com as seguintes premissas: reconhecimento a breve prazo de dois Estados, soberanos e viáveis, por todos os beligerantes; cessação imediata de apelidações de “terroristas” seja por quem for nessa região; desmantelamento dos colonatos judaicos na Cisjordânia; desmantelamento do muro da exclusão e humilhação; fim dos tiros sobre Israel e das retaliações sobre Gaza; reconhecimento do Hamas como partido político; interposição neutral de forças militares convincentes das Nações Unidas até que os dois povos semitas irmãos cooperem; investimentos financeiros massivos na Palestina para que o seu povo possa viver com dignidade e volte a ter esperança.
O estatuto de Jerusalém, que deve ser declarada Cidade Santa, fica para depois.
É urgente a Paz. Em nome dela são necessárias concessões bilaterais para que se criem pontes de diálogo e de entendimento. É este o meu apelo à razão. Basta de bestialidade e de irracionalidade!

09
Jan09

Que Portugal no perturbado mundo contemporâneo?

Fernando Nobre

No momento em que é grande a minha preocupação sobre a situação no Mundo quero lançar um veemente e esperançado apelo para a necessidade imperiosa de nós, Portugueses, tal como há cinco séculos, mostrarmos um espírito visionário, dinâmico e ousado, que nos ponha na vanguarda dos povos que, voltando-se para e abrindo-se ao Mundo, defendam as causas, a ética, os valores e os princípios, sem os quais não vejo, pessoalmente, futuro promissor para a Humanidade.

Sem pretender ser exaustivo, referirei alguns dos problemas mundiais candentes que já se nos apresentam e na solução dos quais Portugal deve empenhar cada vez mais a sua voz e as suas acções.

 

Os conflitos armados, muitos dos quais esquecidos, tendo como pano de fundo os vários nacionalismos, etnicismos, tribalismos, fundamentalismos...enfim, sempre a intolerância. É inadmissível e incompreensível que, no século XXI, em África, na Europa, na Ásia, nas Américas e no próximo e Médio Oriente persistam dramas incomensuráveis sem que os governantes da arena internacional e os seus órgãos económico-político-militares mostrem vontade e capacidade para lhes pôr cobro. Qualquer criminoso contra a Humanidade, qualquer governo incompetente, corrupto e assassino, goza de imunidade e ri-se da passividade das instâncias internacionais e das suas decisões e ameaças. Estamos em pleno reino da selva; da lei do mais forte. O Direito Internacional nunca foi, talvez, tão menosprezado, as decisões das Nações Unidas tão ignoradas e os Direitos Humanos tão espezinhados. Estamos no meio de uma profunda crise de valores, de uma total ausência de referências éticas.

 

Os movimentos migratórios do Sul e do Leste vão agravar-se sem que nenhuma política-fortaleza os possa conter. Só as árvores nascem e morrem no mesmo sítio.
Esses movimentos, que rapidamente se transformarão em verdadeiros rios humanos, virão desaguar nas nossas fronteiras e nas nossas cidades atraídos pela Europa - "Árvore de Natal". Eles são provocados pela péssima situação socio-económica em que vivem esses povos devido às guerras, aos fundamentalismos, à péssima governação (corrupção), à explosão demográfica e à degradação do eco-sistema (nomeadamente a desertificação).

Só uma acção de Solidariedade enérgica e urgentíssima, no sentido de uma Cooperação forte, activa e verdadeira que leve a uma melhoria significativa das condições de vida desses povos, nos seus próprios países, criando condições de um desenvolvimento sustentado poderá anular essa tendência migratória que já começou e que nos ameaça submergir. Tal não será possível sem se pôr cobro à desgovernação vigente em muitos países: a esse respeito o que se passa no Zimbabué é o perfeito exemplo. Ninguém, hoje, sabe dizer como é que a África sub-sahariana vai viver daqui a 20 anos, com o dobro da população actual. Não será então que as soluções de fundo terão de ser pensadas para um bilião e duzentos milhões de pessoas quando, já para este ano, o défice alimentar é superior a dois milhões de toneladas.

 

A desertificação vai ser só um dos problemas ecológicos que as próximas gerações, porque a nossa pouco ou nada fez, vão ter que enfrentar, se não começarmos já a tomar as medidas vitais para que o problema não se lhes venha a deparar insolúvel.

 

O reaparecer de movimentos políticos racistas e fascistas por toda a Europa, e em Portugal também, sem que os governantes pareçam poder ou querer reagir com medidas económicas e políticas enérgicas que lhes possam pôr cobro.

 

O desemprego com as subsequentes pobreza e exclusão social que atingem franjas cada vez mais importantes dos povos é o custo inaceitável de soluções económicas autistas e de uma má distribuição da riqueza existente. É necessário que cresça uma nova forma de solidariedade para com os pobres e que se ponha um travão às deslocalizações abusivas e nefastas de certas empresas globais hoje, infelizmente, mais poderosas que a maioria dos Estados.

 

Hoje em dia, ninguém pode dizer que não sabe, pois com a informação instantânea de que dispomos, temos todos obrigação de conhecer as questões fundamentais que se nos levantam. Não podemos também e sobretudo cair na descrença e na desmotivação do nada podermos fazer. Nós, cidadãos, nós, Sociedade Civil (de Portugal, da Europa e do Mundo) temos a força, a razão e a capacidade de intervir e de mudar o que quisermos e quando quisermos. Os povos não pertencem aos Governos, sejam eles nacionais ou supranacionais mas, sim, à Humanidade e, por isso, têm o direito e o dever de reagir e de exigir uma maior participação nas decisões que possam pôr em causa a sua existência presente ou futura.

Perante tal quadro, quanto a mim realista, é forçoso lutar com coerência, sem ambiguidades, sem compromissos e sem receios, pela defesa da Paz, da Liberdade e dos Direitos do Homem o que implica lutar pela defesa do nosso eco-sistema, do Direito Internacional, assim como pelo fim dos conflitos (nomeadamente o iníquo e intolerável descalabro humano vivido na Palestina).

 

Portugal, que deu mundos ao Mundo, que legou à História o Humanismo Universalista, que foi o iniciador do movimento que transformou a Terra numa Aldeia Global, levando os povos a conhecerem-se e as culturas a interpenetrarem-se (infelizmente nem sempre da melhor forma) Portugal demonstrou então, que podia liderar uma verdadeira revolução cultural mundial.

 

Hoje, também Portugal pode e deve liderar outra revolução mundial: uma revolução do foro ético, neste mundo cercado de perigos e ameaças que ainda não assimilou o ideal da Fraternidade, participando na génese de um novo paradigma humano: mais solidário, mais ético e mais justo.

 

No Mundo, na Europa e em Portugal os portugueses não podem adoptar uma atitude passiva, integrando um movimento isolacionista, de intolerância, de indiferença, que conduzirá à construção de uma inoperante e inumana Europa-Fortaleza. Portugal, que viu milhões dos seus filhos emigrarem e serem acolhidos em todos os continentes, deve recusar alinhar numa decisão cega e egoísta que só levará a maior desespero e revolta dos esquecidos e famintos que nos rodeiam e que merecem lhes seja dado tratamento humano.

 

Meus amigos, sendo um ser optimista - o que me levou a fundar a AMI, uma obra humanista de dignificação do Homem e de Portugal - acredito plenamente que temos razões para sermos um povo com confiança em si próprio, para não cairmos no conformismo e derrotismo dos perdedores e que podemos ser líderes na defesa intransigente e inegociável de valores e princípios que preservem e dignifiquem Portugal e a Humanidade e que possam desactivar as bombas-relógio que representam a pobreza, a fome e a violência. Como diz António Alçada Baptista no seu livro "O Riso de Deus": "A fome e a violência são absurdos de tal modo estampados na cara do mundo que, quem a isso não é sensível, é porque não se chegou a integrar na espécie humana".

 

Nós, Portugueses, e todos os povos do Mundo temos que fazer parte dessa espécie humana. Devemo-nos isso.

 

É na defesa e na dinamização desses princípios e valores éticos e humanistas universais que eu penso que Portugal, país pequeno em superfície mas grande na sua História e na sua gente, se pode empenhar tornando-se impulsionador. Uma visão do Mundo onde a Vida e o Cidadão sejam colocados no seu centro é a única solução para podermos continuar a caminhar todos em paz e em progresso. Nós, Portugueses, temos as potencialidades e a capacidade para participarmos activamente nesse processo humano, sem quaisquer complexos de inferioridade.

 

Esse caminho só pode ser um: o que leve ao desenvolvimento de todos os povos, respeitando-se mutuamente, ajudando-se mutuamente, nesta aldeia global que os nossos navegantes nos legaram.

 

Como escreveu Júlio Dantas num artigo sobre a Rainha Santa Isabel: " Que seria de Portugal se o seu povo tivesse perdido a sua generosidade e a sua dádiva para com os que sofrem? Porque ser Português é ter uma alma que se comove e vibra e chora quando perante a dor, o gesto nobre, o feito heróico, o amor. Foi essa generosidade que fez Portugal. Porque quando o povo quer, Portugal acontece".

 

Ao terminar, lembro-vos o que perguntava Jorge de Sena a concluir um poema sobre a liberdade após o 25 de Abril: "E agora, povo português?"
 

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