Na Cimeira do Milénio, em Setembro de 2000, na Sede das Nações Unidas em Nova Iorque, 189 Chefes de Estado presentes comprometeram-se a que, em 2015, fossem concretizados Oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) entendidos como essenciais para a luta contra o Subdesenvolvimento e a favor da pacificação do Planeta.
Para que as metas concretas desses oito ODM fossem cumpridas, foi pedido, pelas Nações Unidas aos países doadores, um investimento de 25 mil milhões de USD/ano durante 15 anos, por isso, um total de 375 mil milhões de USD.
Tal nunca foi cumprido, como ficou claro na cimeira entre as Nações Unidas e a Sociedade Civil na mesma cidade, em Setembro de 2005. Desde então, a tendência, nada abonatória para a Comunidade Internacional, manteve-se.
No dia Mundial da Saúde, impõe-se uma reflexão sobre dois temas intrinsecamente ligados e abordados pelos Objectivos do Milénio, a fome e a saúde.
Segundo o Programa Alimentar Mundial, existem, actualmente, 1.02 mil milhões de pessoas desnutridas no mundo, o que significa que 1 em cada 6 pessoas não recebe comida suficiente para ser saudável. A fome e a malnutrição são o principal risco para a saúde mundial, um risco maior que a junção da SIDA, da malária e da tuberculose.
A fome, quando não mata, debilita e deixa graves sequelas no desenvolvimento físico e mental.
Em função de certas carências específicas que ela engloba, vitamina A, B, C, D…ferro, acido fólico, iodo, deixa marcas para o resto da vida: cegueira, neuropatias como o beribéri, escorbuto, raquitismo, anemias, bócio…
É intolerável ver morrer alguém à fome porque já se chegou tarde demais e enfrentar o seu olhar.
É tanto ou mais intolerável quando nunca se produziu tanto e nunca se desperdiçou tanto, deitando toneladas de alimentos para o lixo. Absurdo inaceitável.
Temos, nos nossos países sobrealimentados, as doenças da fartura (obesidade, diabetes, arteriopatias, devido ao excesso de colesterol e de tabaco…) que, em conjunto com as depressões, mais pesam em morbilidade e nos nossos orçamentos da saúde … E temos, nos países mais pobres, pessoas tão debilitadas pela fome - adultos e crianças - que não resistem a uma gastroenterite (por rotavírus por exemplo) ou a uma banal pneumopatia.
Enquanto nos nossos países se morre sobretudo de acidentes cardiovasculares, cancros, acidentes de viação e “velhice”, lá morre-se de múltiplas doenças infecciosas que silenciosamente, porque esquecidas, matam mais de 15 milhões de pessoas por ano!
Esse é um dos motivos, pelos quais 3 dos Objectivos de Desenvolvimento dizem directamente respeito à Saúde, nomeadamente:
- Reduzir em 2/3 a taxa de mortalidade infantil de crianças com menos de 5 anos;
- Reduzir em 3/4 a taxa de mortalidade materna;
- Parar e começar a inverter a propagação do HIV/SIDA, da Malária e de outras doenças graves…
Infelizmente, esses objectivos também não serão atingidos em 2015 não obstante os progressos realizados na América Latina e na Ásia Meridional e a criação do Fundo Global para o HIV/SIDA, Malária e Tuberculose. Os resultados são ainda decepcionantes: sobretudo na África Subsaariana por falta de infraestruturas médicas devidamente apetrechadas e uma continuada escassez de recursos humanos na área da saúde, agravada pela fuga maciça dos quadros (infelizmente incentivada pela política de “imigração selectiva” da União Europeia!).
Assim, por ano, continuam a morrer mais de 15 milhões de pessoas de doenças infecciosas esquecidas para a erradicação das quais nada ou pouco se investe em investigação farmacológica… As Leis do Mercado assim o obrigam! Não existindo poder de compra, não há mercado motivador e não há investigação…
Ainda por cima, nos últimos anos, novos surtos virais têm vindo a ensombrar o nosso futuro colectivo, fazendo-nos temer, para já infundadamente, períodos históricos que pensávamos definitivamente afastados:
- O vírus de Ébola, de surgimento episódico, com elevadíssima taxa de mortalidade (superior a 70%) tem-se confinado para já, à Bacia Central Africana, sobretudo na zona do baixo Congo (Kikwit);
- O vírus da gripe das aves A (H5N1) com origem asiática e, sobretudo, o mais recente, o vírus suíno A (H1N1) que começou por ter particular incidência no continente norte-americano (México, EUA, Canadá) mas que se generalizou em pandemia. Felizmente que hoje temos um bom arsenal terapêutico (vacinação, antivirais, antibióticos, ventilação assistida) e que o vírus H1N1 é de virulência fraca com uma mortalidade inferior a 0,5%. Só que essa mortalidade poderá vir a ser muito superior nas regiões menos desenvolvidas do mundo…Como é óbvio.
Pese embora estarmos ainda longe das metas dos objectivos para a saúde global previstos para 2015, tem havido, à excepção da África Subsaariana, uma evolução positiva na Ásia e na América Latina (esperando que a actual crise financeira, económica e social não deite tudo a perder). A mortalidade infantil global, até à idade dos 5 anos, foi reduzida em 27% entre 1990 e 2005 (de 12,5 milhões de mortos para 9 milhões) devido sobretudo a um melhor re-hidratação nos casos de diarreia, a uma melhor e maior distribuição de redes mosquiteiras impregnadas de insecticida no caso da malária, a uma melhor cobertura dos planos de vacinação e à melhoria da qualidade da água e do saneamento básico.
A mortalidade materna, ligeiramente menor, continua alta com 400 mortes (900 em África) por 100.000 partos em 2005: todos os anos, no Mundo, continuam a morrer de parto cerca de 540.000 mulheres.
Os maiores sucessos em termos de saúde têm sido obtidos na luta contra a tuberculose, com a introdução generalizada da toma diária presencial (DOTS) embora cresça, sobretudo nas ex-repúblicas soviéticas, o receio da resistência do bacilo de Koch, (mesmo aos tratamentos múltiplos) enquanto na África Subsaariana a associação HIV-Tuberculose se tem mostrado particularmente letal.
Na questão do acesso à água potável e ao saneamento básico houve também francas melhorias. Mas ainda em 2006, cerca de 900 milhões de pessoas não tinham acesso a água potável e 2,5 mil milhões viviam sem saneamento básico.
Muito trabalho resta pois por realizar…
Espero que, a partir de agora, haja a decência, a inteligência e o bom senso de encontrar os meios financeiros para se alcançar os 8 Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definidos na Cimeira do Milénio. Para tal, apenas são necessários 25 mil milhões de USD por ano, durante 15 anos (até 2015), um valor menor, se atentarmos que, segundo dados financeiros compilados pelas próprias Nações Unidas, estima-se que num ano apenas, a actual crise financeira e económica já tenha absorvido, em injecções directas de capital e em avais financeiros, 18 milhões de milhões de USD: num ano apenas foi gasto 50 vezes o que seria necessário, em 15 anos, para a concretização dos vitais ODM!
Ficam bem a nu as prioridades da péssima governação global em curso…