Viajantes, a maior Nação do Mundo
Numa altura em que o desgaste de meses de trabalho começa a dar lugar ao merecido descanso para muitos, escolho falar-vos dos viajantes, da riqueza cultural que se adquire com as viagens, da importância de conhecer o outro e de ter um espírito sem fronteiras.
Falar dos viajantes como a maior nação do mundo é extremamente aliciante, não obstante ser um difícil desafio tal é a amplitude do tema. Podemos afirmar que desde o início da humanidade o conceito sem fronteiras foi um facto. Só muito mais tarde os agrupamentos humanos se identificaram, se localizaram e constituíram as suas fronteiras delineando os Estados ditos modernos. Até à I Revolução Mundial, que implicou passar do nomadismo ao sedentarismo, efectivamente as pessoas estavam sempre em movimento. Tal era fundamental para a sua sobrevivência económica e implicava contactos extremamente frequentes com outros grupos humanos, também eles em movimento permanente. Se recuarmos aos fenícios, aos gregos, aos romanos, aos visigodos, aos vikings e mais tarde aos portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e franceses constataremos que todos esses povos foram povos viajantes. Para expandir as suas conquistas, a sua cultura ou o seu domínio militar e religioso estiveram sempre em movimento constituindo sucessivamente impérios, sempre efémeros, forçosamente.
A motivação do viajante pode ser diversa. No que me diz respeito, já que penso pertencer a essa nação do mundo que é constituída por pessoas abertas aos outros, e que por isso mesmo tentam estabelecer contactos com outras pessoas estejam onde estiverem, a motivação que me levou até hoje a cerca de 160 países no mundo é sem dúvida a vontade de conhecer as realidades da vivência de outros povos e, na medida do possível, dar o meu contributo no sentido de minorar as carências e o sofrimento que esses povos têm na sua duríssima luta pela sobrevivência.
Acho que é fundamental irmos ao encontro dos outros para depois podermos falar com conhecimento de causa de acontecimentos que marcam o andamento do mundo. É fundamental viajar para se formar, para compreender, para entender o que realmente se passa nesta nave espacial que é a Terra e que nos leva a todos para um destino comum. Para mim, é esse conceito do viajante que me interessa, pese embora o facto também de, sempre que viajo, tentar beneficiar das belezas dos sítios que vou conhecendo. Tenho pois também nas minhas viagens uma componente lúdica, turística, de interesse cultural, mas no fundo da questão, o essencial para mim é tentar ajudar o meu semelhante e compreender a evolução global da nossa humanidade e quais os grandes desafios que a confrontam actualmente.
A aproximação com o outro é efectivamente o cerne da questão no que me diz respeito enquanto viajante. Uma vez aproximado ao outro e com a perspectiva que já referi, a ajuda e a compreensão, é evidente que de imediato nos vemos mergulhados em questões como a interdependência, a interculturalidade, a tolerância, a aceitação, a miscigenação e a questão da globalização tão popular nos dias de hoje. Costumo dizer que para falar dos acontecimentos contemporâneos não basta ler os jornais e os livros. É fundamental quanto a mim termos tido a possibilidade de nos deslocarmos a essas regiões para podermos testemunhar e compreender os enormes desafios que nelas se levantam. Por exemplo, hoje quando falo do drama humano vivido no Médio Oriente penso ter o direito e o dever de me exprimir e de expressar a minha visão da tragédia humana que lá se vive na medida em que já estive no Egipto, no Líbano, na Palestina, em Israel, na Jordânia, no Iraque e no Irão. Como é que alguém pode em conhecimento de causa falar do conflito israelo-palestiniano sem ter estado na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em Israel e sem ter vivenciado a tragédia que aconteceu em Beirute Ocidental, na guerra do Líbano em 1982 e ter presenciado o comportamento belicoso e extremamente perigoso do Sr. Sharon? Sem compreender os receios da população israelita que tem medo de vir a ser expulsa do Estado de Israel ou morrer despedaçada em atentados bombistas de ódio e revolta e sem compreender, por outro lado, a enorme tragédia do povo palestiniano que há mais de 50 anos vive no exílio, com grande parte desse povo vivendo em campos de refugiados em condições infra-humanas (como é o caso na Faixa de Gaza onde num minúsculo território vivem cerca de 1 milhão de pessoas amontoadas sem nenhuma perspectiva de trabalho nem de futuro) não se pode perspectivar uma solução de salvamento e tolerância para esses dois povos irmãos. Os israelitas terão que estender um ramo de oliveira aos seus irmãos palestinianos (e esses deverão cessar os mortíferos atentados) e perceber que os palestinianos já não suportam mais, e com razão, ver o seu território, já exíguo e super populado, ocupado por inúmeras colónias israelitas que controlam não só zonas geográficas mas também as estradas de ligação entre essas zonas, fazendo com que todo um povo se veja encurralado e preso como se estivesse num gueto, tipo gueto de Varsóvia, para já, felizmente, sem uma perspectiva de extermínio do tipo solução final dos nazis alemães.
Como falar de África sem ter tido a possibilidade de percorrer aquele continente, como já tive oportunidade de o fazer, tendo estado em mais de 40 países dos 53 que constituem o continente africano?
Como falar da tragédia das cidades sul americanas superlotadas com todos os problemas decorrentes de uma urbanidade descontrolada e com uma periferia de favelas em crescimento perigosamente explosivo, sem ter tido a possibilidade de visitar cidades tais como Rio de Janeiro, Lima, Quito, Caracas, La Paz, Tegucigalpa...?
Como falar da Ásia nomeadamente da Ásia Meridional sem se ter estado, no Bangladesh, na Índia ou no Paquistão, nomeadamente em Dakha, Bogra, Bombaim, Calcutá, Karachi, Faisalabad…?
Sou daqueles que acreditam que um outro mundo é possível. Esse outro mundo mais humanizado, com mais ética, com mais regras, com mais tolerância e abertura, com mais aceitação é possível, mas só se os cidadãos assim o quiserem. Como viajante que sou, pugno efectivamente por uma nova visão do mundo e pugno por uma nova mentalidade do ser humano. Sou daqueles que sonham com a existência de uma cidadania global, com uma única nacionalidade que abrangeria todos os habitantes da Terra e diria mesmo até do Universo. Acredito que a vida é única no que diz respeito à sua sacralidade porque ao longo das minhas inúmeras viagens constato sempre as mesmas necessidades básicas em qualquer parte do mundo. Todo o ser humano procura apenas e só satisfazer as suas necessidades mais elementares, como sejam a alimentação, a habitação, o vestuário, a saúde, a educação, o amor e a fé numa entidade superior que a tudo e a todos transcende, inacessível, independentemente do nome que lhe é dado. Acredito que a grande maioria dos habitantes do nosso planeta é essencialmente isso que procura. É verdade que há uma minoria que ergueu o dinheiro como um deus e que em nome desse falso deus está disposto a tudo, inclusive a matar o seu semelhante. Há uma minoria disposta a tudo para ter um aparente e efémero poder e, infelizmente, tem condicionado os desejos e as vontades da grande maioria da população do nosso planeta. Estou crente que no final será possível termos um mundo de inclusão em que nos sentiremos todos aceites pelas nossas diferenças.
Como viajante constato que o que há de mais rico no nosso mundo é a diversidade cultural, etnográfica, folclórica, racial, ambiental e espero que isso possa ser preservado para o futuro da história humana, apesar de estar consciente que há uma fortíssima tendência, negativa porque redutora da riqueza do homem e do seu planeta, para a homogeneização de todas essas diferenças.
Resumindo, diria que ser viajante hoje é ter um espírito sem fronteiras, que muitos outros antes de nós já tiveram, mas ter nesse espírito o sentido da preocupação com o outro para ver como, em conjunto, poderemos fazer um mundo melhor. É evidente que hoje os desafios são extremos, estamos numa autêntica revolução mundial que está a questionar tudo, inclusive os nossos valores mais essenciais e compreendo que haja razões para às vezes nos sentirmos completamente desorientados, diria mesmo perdidos. Acredito como viajante que sou que há uma enorme esperança e que essa esperança nesse outro mundo possível reside na capacidade do ser humano se adaptar e corrigir comportamentos desviantes como aqueles que estão a ter lugar hoje, nomeadamente com a questão do terrorismo e dos fundamentalismos de todos os quadrantes.
Espero que todos os viajantes do mundo, aqueles que têm um espírito aberto para serem permeáveis a outras influências e culturas, se possam unir no sentido de constituirmos efectivamente a maior nação do mundo e que essa nação seja feita de tolerância, de entendimento, de aceitação, de inclusão e porque não dizê-lo também, de amor e de paz.
Viagens e turismo, sim! Mas solidários!