Desarmamento Nuclear: a esperança renasce...
Queridos amigos,
o tempo não me permite mais, mas o apreço exige que vos dirija algumas palavras, ainda que de forma menos frequente, por isso, deixo-vos algumas considerações sobre o desarmamento nuclear, uns dias depois do anúncio do acordo entre os EUA e a Rússia.
Falar do desarmamento e da absoluta necessidade em se conseguir a sua implementação global é fácil e, simultaneamente, uma quase impossibilidade, se o nosso objectivo real consistir em ir mais além do sonho ou da utopia quase inacessíveis mas porém possíveis.
É fácil, para mim, falar e escrever sobre a imperiosa necessidade do desarmamento global porque há quase três décadas que me vejo permanentemente confrontado com as desastrosas e trágicas consequências da proliferação do armamento pelos quatro cantos do Mundo.
Essas trágicas consequências são nomeadamente as centenas de milhares de vítimas, ou mesmo vários milhões, que entre mortos e estropiados violentam as nossas consciências ano após ano, e o crónico subdesenvolvimento em que vivem largas dezenas de países que investem, porque estimulados e obrigados a tal, montantes colossais na compra de armamento sofisticado, desnecessário, inútil e incentivador de conflitos, ditaduras e repressões ao invés de investirem na educação, saúde, agricultura, infra-estruturas e na modernização tecnológica e governativa...
A corrida insensata a que se assiste em muitos países, ditos em vias de desenvolvimento, pela aquisição de armamento, que serve na maioria dos casos para amedrontar e submeter os seus próprios povos, é sempre sinónimo de péssima governação e farta corrupção.
Sem armas, nomeadamente as ligeiras, não haveria as carnificinas a que assistimos diariamente. É bom relembrar que todos os anos cerca de 500 000 pessoas são mortas por bala e que milhões de minas anti-pessoais e outros artefactos explosivos esperam pelo pé ou pela mão imprudente e ingénua de uma criança para a mutilar horrivelmente ou matar (anualmente, mais de 80% das vítimas das minas são civis, segundo a campanha Internacional para a Proibição das Minas Terrestres), quando se sabe que o custo de uma dessas minas é de apenas 3 USD, daí serem consideradas armas pobres, mas que o custo para as localizar e destruir pode atingir 1000 USD e que muitas vezes as empresas de desminagem estão ligadas às empresas produtoras...
Afirmo, por isso, sem qualquer dúvida, que a produção e a comercialização de armas no Mundo (explosivas, químicas, atómicas, bacteriológicas e balísticas) é um dos grandes desafios que a Humanidade enfrenta e é o maior obstáculo à Paz, ao Desenvolvimento e à sobrevivência da espécie humana que parece desde já caminhar para o holocausto nuclear.
As guerras convencionais e os conflitos atípicos, cada vez mais frequentes, que se focalizam essencialmente nos países mais problemáticos, tanto etnicamente como social e economicamente, só se fazem porque nunca há penúria de armas, bem pelo contrário. E aí está o busílis da questão e porque, como afirmo no início, é fácil falar, mas “simultaneamente uma quase impossibilidade se o nosso objectivo real for ir mais além do sonho e da utopia quase inacessíveis mas porém possíveis”!
Que eu saiba, as guerras e os conflitos não se fazem à pedrada e à flechada! E mesmo quando o drama como o genocídio ruandês em 1994 se deveu em parte ao fornecimento abusivo e descontrolado de muitas dezenas de milhares de catanas por parte de um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, tal só se pôde concretizar perante a impotência, a indiferença e o imobilismo dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas como tão bem explica o Tenente General Romeo Dalaire, na altura Comandante Chefe das forças da ONU no Ruanda, no seu impressionante livro “Shake the Hand to the Devil”.
Este imoral comércio, que coloco no mesmo abominável patamar dos infamantes comércios da droga e da prostituição, em particular a infantil, está intrinsecamente associado aos conflitos étnicos e pseudo-religiosos que são sempre guerras pelo poder e só não acaba já porque os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas são os maiores produtores e os maiores vendedores de armas do Mundo, como já foi citado num recente relatório anual do PNUD.
A esse respeito nunca será demais salientar e relembrar que o primeiro dever do Conselho de Segurança das Nações Unidas é zelar pela Paz no Mundo e que o desarmamento é vital para concretizar a proibição de violência segundo o artigo 2 (4) da Carta das Nações Unidas.
Estamos pois, é evidente, perante um problema digno da quadratura do círculo: impossibilidade de se conseguir o tão almejado desarmamento a menos que haja verdadeira vontade política para se pôr termo a tão tamanha estupidez e insano paradoxo. Quanto a mim, tal só se concretizará se o novo e ascendente conceito de Cidadania Global se afirmar e globalizar dando nascimento a um novo paradigma humano.
Só esse novo paradigma humano fará com que a Convenção Anti-minas, o Tribunal Penal Internacional, o Protocolo de Quioto e tantas outras convenções mundiais (Crianças, mulheres, Racismo...) sejam ratificadas e respeitadas por todos. Só se a Sociedade Civil Mundial exercer uma pressão consistente e constante, se concretizará “Um outro Mundo possível” e se conseguirá atingir o que é tão vital, a saber: o fim da produção e comércio das minas e das armas ligeiras assim como um Tratado eficaz de não proliferação do armamento pesado de todo o tipo assim como a sua redução e até extinção.
Só assim ficará controlado esse lucrativo e mortífero negócio, muito associado aos circuitos da corrupção e desgovernação que desestabiliza inúmeros países pelos conflitos que facilita e provoca, empobrecendo os já parcos recursos financeiros de alguns estados e que ameaça desestabilizar o Mundo inteiro, se já não o fez!
Estrangulados pelos seus governos fortemente armados, corruptos e corruptíveis não resta a esses povos senão o subdesenvolvimento crónico, o medo da guerra e da repressão, a miséria, a falta de esperança e a massiva imigração que já apavora a Europa.
É por isso que considero o recente acordo entre os EUA e a Rússia para a redução das armas estratégicas nucleares, o renascer da esperança…
Ainda que o acordo venha a revelar-se um passo demasiado pequeno para a ambição de reduzir o armamento nuclear, será já, certamente, um passo de gigante no sentido da dignidade e do futuro possível da Humanidade.