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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

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Contra a Indiferença

19
Ago10

Dia Mundial Humanitário

Fernando Nobre

No dia Mundial Humanitário, celebrado pela primeira vez em 2009 para homenagear todos os que concretizam a Ajuda Humanitária no mundo e honrar os que perderam a vida ao serviço desta causa, gostava de partilhar o que me inspirou a dedicar cerca de 30 anos da minha vida ao trabalho humanitário.

 

O desejo de ser médico acompanhou-me desde sempre, mas a vontade de exercer uma medicina diferente, em grandes espaços e a favor de quem tinha parcos recursos chegou um pouco mais tarde.

 

Das múltiplas histórias e recordações que semeiam a minha vida pelos quatro continentes, há uma que vos quero contar, porque ao vivê-la pensei muitas vezes naquele que considero ter sido o meu mentor, embora só mais tarde tivesse visitado a sua obra no Gabão e conhecido então uma enfermeira de 87 anos que tinha trabalhado com ele. Estou a falar de Albert Schweitzer. Para quem não leu, aconselho vivamente a leitura de "É meia-noite Doutor Schweitzer", hoje ainda um dos meus livros de cabeceira.

 

Lugadjole, no fundo da Guiné-Bissau, quase na fronteira com a Guiné-Conakry, terra de fulas, de homens-grandes, de picadas e de macacos-cão. É preciso amá-la para a alcançar: 4 a 5 horas de picada a valer para se percorrer os 48 quilómetros que a separam da travessia, em jangada, do rio Corubal no Tché-Tché. Uma vez o rio atravessado, com que dificuldades, discussões, gritos e buzinadelas às vezes, estávamos no sector do Boé. Pensava então viver um pouco do que terão vivido o Stanley, Livingston, Brazza, Serpa Pinto ou o meu bisavô De La Vieter chegado às costas de Cabinda em 1885.

 

Foi nesse meu Lugadjole que um dia me chegou um homem com uma hérnia inguinal direita estrangulada já com sinais de peritonite. Era noite, umas 19h30, chovia e não havia hipótese nenhuma de evacuação. E se houvesse, para onde? Os hospitais de Bissau, Gabu ou Bafatá eram uma lástima.

 

Decidi operá-lo e assim foi. Auxiliado por uma jovem colega de clínica geral, esterilizei umas compressas numa panela de pressão numa fogueira, assim como uns poucos instrumentos e duas colheres dobradas para me servirem de afastadores de Farabeuf, fiz uma raquianestesia e operei o homem à luz de uma lanterna de bolso, com as malditas formigas voadoras, térmitas na época de acasalamento, e uma chuvada forte a lembrar-nos que estávamos nos trópicos. Quando acabámos, cansados e felizes, sabíamos que aquela vida estava salva. África nunca me pareceu tão misteriosa e a minha profissão de médico tão bela: aí voltei a pensar em Albert Schweitzer. Como ele tinha tido momentos de frustração e satisfação, também eu os tinha, mas estou certo que vivia feliz porque vivia intensamente e com a certeza de fazer a diferença.

 

 

 

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