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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

Contra a Indiferença

02
Jan09

Povos e Doenças Esquecidos

Fernando Nobre


Um dos grandes paradoxos da nossa época, que pretende ficar na História da Humanidade como sendo a época da Mundialização, é que muitos povos e as suas maleitas, continuam votados a um completo ostracismo e a um mortífero esquecimento. Tal facto é tanto mais inaceitável que, mercê de um desenvolvimento tecnológico sem equivalência histórica, nunca como hoje se produziu tanta riqueza no Mundo, nunca como hoje se acumulou tanto saber científico capaz, se bem orientado, de debelar as grandes pandemias que afectam largas centenas de milhões de pessoas e nunca como hoje foi possível estarmos instantaneamente informados do infortúnio desses povos.

Tais factos fazem com que o esquecimento a que é condenada uma parte muito significativa da Humanidade se torne, a meus olhos, ainda mais intolerável e inaceitável! Estamos todos a assistir a um verdadeiro genocídio quotidiano, verdadeiro terrorismo silencioso porque silenciado que, à semelhança de outros tão justamente noticiados, deveria ser vigorosamente combatido. Não há dúvida de que tal fenómeno, é o grande gerador, presente e futuro, da espiral de frustração, de humilhação, de desespero e de violência que já nos atinge por ricochete.

 

Senão vejamos:

Hoje, as doenças esquecidas ou não suficientemente combatidas, tais como a malária, a tuberculose, a Sida, a doença do sono, a leishmaniose, a biliarziose...matam todos os anos mais de 15 milhões de pessoas no mundo. Se acrescentarmos a esta verdadeira hecatombe a morbilidade provocada por essas doenças assim como por outras, também elas esquecidas, como a oncocercose (“cegueira dos rios”), as diversas e graves avitaminoses tipo beribéri, o dengue... estaremos, no concreto, a levar esses povos a um subdesenvolvimento sem retorno. Tudo o resto é retórica oca e demagogia assassina! Está em curso um autêntico genocídio perante a indiferença global! Somos todos passíveis de julgamento histórico de “ não assistência a povos em perigo”! Ainda há poucos anos participei em Genebra, como observador convidado, na reunião do restrito grupo (apenas 12 organizações internacionais mais a AMI e o CICV como observadores) da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a vigilância da oncocercose e fiquei literalmente aterrado ao constatar que essa doença, cujos efeitos devastadores bem conheço (pois nos Camarões a AMI financia projectos nessa área há anos), poderá afectar a vida de cerca de 125 milhões de pessoas com tendência para aumentar em mais de 40 países (36 em África e 6 na América Latina), nomeadamente Angola, Guiné Bissau, Moçambique e Brasil...

Se ao atrás referido acrescermos, como é de todos conhecido, que: 
- cerca de 40.000 crianças morrem diariamente ( o apagar de uma cidade como Portimão todos os dias!) por insuficiente cobertura dos programas de vacinação e por inacessibilidade aos medicamentos eficazes já existentes nomeadamente para as infecções intestinais e respiratória. (Não chega a 10% - dos cerca de 60 biliões de USD da investigação médica mundial anual - o montante para os problemas de saúde que afligem 90% da população mundial. Por outro lado, menos de 1% desses investimentos destinam-se à investigação da malária, tuberculose, pneumopatias, diarreias...que tantas vidas ceifam nos países em desenvolvimento!) 
- desde 1975 apenas foram lançados no mercado à volta de 25 novos fármacos de combate a doenças tropicais, dos quais 12 para as afecções veterinárias...
- a Organização Mundial do Comércio (OMC), sob a pressão do poderosíssimo lobby das multinacionais farmacêuticas, (só forçada pela pressão de organizações humanitárias, que gritavam perante o escândalo e de países como o Brasil e a Índia) é que muito recentemente entreabriu a porta, com muitas precauções e limitações, permitindo que esses países pudessem produzir medicamentos a baixo preço, 10 vezes mais baratos, para os seus doentes com SIDA. Sob pretexto da defesa das patentes, uma obstinação feroz que custou a vida a milhões de pessoas! Refira-se que muitas dessas patentes resultaram, e resultam, da pesquisa em matérias primas recolhidas nesses mesmos países que, para tal, nunca receberam ou recebem nenhuma compensação!
- cerca de 2 milhões de pessoas morrem de fome por ano. Para acabar com esse flagelo e vergonha bastaria que se destinasse a esse combate o montante das verbas gastas nos EUA, ou na nossa rica Europa, em produtos de beleza e em roupas para cães e gatos... Surpreendente, NÃO?

 

Perante tais desmandos e desgovernação global só resta uma das seguintes opções:
1) Pactuar com os cínicos, oportunistas, derrotistas e ...indiferentes;
2) "Suicidar-se" com os que desesperam da condição humana não prevendo para ela qualquer futuro ou melhoria; ou
3) Gritar, sensibilizar e actuar para quem ainda tenha uma réstia de sensibilidade, humanismo, resistência, caracter e coerência, é o que temos feito na AMI. Lançando os nossos gritos de rato, de protesto, mas que esperamos construtivos, sempre que se justifica e que tenhamos a possibilidade de o fazer!

 

Mas ao gritarmos, será que alguém nos ouve? Por isso é sobretudo necessário agir.

É exactamente esta problemática, “Segurança e Dignidade das Populações”, que me leva a participar, desde há 10 anos, nas Conferências Anuais das Nações Unidas com as Organizações da Sociedade Civil Mundial em Nova Iorque.

Como as Nações Unidas, entendo que só pugnando pelo direito à DIGNIDADE de todos os homens, o que implica lutarmos todos para garantirmos a todos a satisfação das necessidades mais básicas, como a alimentação, a saúde, a educação, a liberdade de consciência...é que teremos um Mundo em SEGURANÇA, em PAZ e sem terrorismos, venham eles de grupos terroristas integristas (independentemente da religião adulterada invocada), de certos países ou de certas atitudes tais como a indiferença e a intolerância.

Este é o meu pensamento sincero e reflectido.
 

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