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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

Contra a Indiferença

06
Jan09

Impacto social da crise económica e financeira

Fernando Nobre

Neste texto, embora focalizado nos tremendos impactos sociais que a crise económica e financeira em curso terá inevitavelmente nos planos Nacional e Mundial, não me poderei eximir de comentar certos aspectos políticos, económicos e fiscais embora, estou ciente, outros autores os abordarão de forma muito mais exaustiva do que eu.

O primeiro comentário é que hoje ninguém está capacitado para poder prever, com o mínimo de rigor e credibilidade, qual será a verdadeira duração e a real gravidade, antevendo-se desde já que será profunda, da actual crise nas economias dos países, e dos seus povos, nem que novo sistema financeiro e económico emergirá após o fim desta tormenta.

E ninguém o pode fazer porque ninguém pode afirmar categoricamente que não haverá outros “casos” Madoff , BPN e afins que não venham a explodir amanhã. Daí resulta a extrema falta de confiança que hoje está profundamente instalada dentro do próprio sistema financeiro e que tanto bloqueia o crédito inter-bancário!

Uma coisa é certa: o sistema em vigor ruiu (e só as injecções ou avais massivos de cerca de três milhões de milhões de USD por parte dos Estados e dos Bancos Centrais - dez vezes o que seria necessário em quinze anos para se conseguir os vitais Objectivos Do Milénio - evitou a derrocada total!) e urge agora encontrar um novo paradigma nas relações económicas e financeiras entre os estados e os bancos.

Ficou demonstrado, penso eu e também o ex-presidente da FED, Sr. Greenspan, que a auto-regulação, tão exigida e propalada até há pouco pelos defensores do liberalismo total do mercado, o novo deus e o novo abre-te sésamo para o desenvolvimento e felicidade globais, faliu redondamente.

Faliu porque, progressivamente, se evoluiu para um sistema financeiro cada vez mais especulativo e irreal, não alicerçado na economia real mas sim substituído pela famigerada “economia virtual ou de casino” com os seus inúmeros “subprimes”, incontroláveis “produto tóxicos” e outros “derivados” em que já ninguém tinha mão e que ruíram como castelos de areia à primeira ventania. Era o delírio do jogo da roleta russa. A ressaca só podia, como foi, ser violenta: inúmeras instituições mortas ou nos cuidados intensivos e milhões de pessoas "ao Deus dará"...

Faliu porque estavam em causa homens, e apenas homens, falíveis, sem sistemas eficazes de contrapesos, que se deixaram facilmente infectar pelo “vírus da Ganância”(dixit Sr. Greenspan). Em estado eufórico de levitação estratosférica, apenas pensaram em satisfazer os seus enormes egos e descabidos apetites de mordomias assim como as insaciáveis exigências das assembleias gerais de anónimos sócios.

Faliu porque, por razões várias, os sistemas de regulação não funcionaram, mesmo quando aparentemente suficientes, os sistemas de fiscalização dos Bancos Centrais estavam distraídos ou não tinham os meios para exercerem cabalmente as suas funções e as grandes empresas de auditoria foram coniventes ou omissas para não perderem tão importantes contratos...

Faliu porque grandes especialistas em questões fiscais, sociedades gestoras e de advogados..., se profissionalizaram junto das off-shores e dos diversos paraísos fiscais para subtrair os seus clientes às suas normais obrigações fiscais perante os seus Estados. Estados esses, sem meios para desvendar as teias extremamente complexas montadas para esses fins. Daí a impunidade que usufruem até hoje a esmagadora maioria dos grandes crimes de colarinhos brancos...

Faliu porque muitos Estados, e os seus políticos, se demitiram da sua imprescindível responsabilidade na correcta e atenta gestão da Res Publica como se tem observado na Grécia, Islândia,...

Perante essa doença, com múltiplos agentes patogénicos, é evidente que a abordagem terapêutica será complexa e levará bastante tempo a surtir efeito. Já não é hora para homeopatias. Terá que se combinar cirurgia com medicinas agressivas porque de uma grave situação gangrenosa se trata! A medicina tradicional chinesa mostrou que tem, neste caso específico, melhores soluções que todas as nossas caducas teorias...

Agora uma coisa é certa: serão tremendos os efeitos desses verdadeiros desvarios e desnortes em 2009, 2010, 2011... nas economias dos países mais frágeis, que ficarão arrasadas, como serão tremendos os efeitos no agravamento do desemprego e da exclusão social dentro das nossas sociedades ditas, até agora, desenvolvidas. Poderão vir a estar mesmo em causa a paz social e a democracia, ainda vigentes nas nossas sociedades!

Como efeitos imediatos estão remetidos para as calendas gregas os objectivos que se pretendiam atingir: um comercio mundial mais justo e equilibrado, com a Ronda de Doha (que esteve bloqueada 7 anos para agora sumir de vez), e os 8 Objectivos do Milénio (ODM) que nunca serão atingidos em 2015, como se pretendia, nem em 2050, quanto a mim!

É de temer fortemente, nos países em vias de desenvolvimento, já em estado permanente de sufoco financeiro, sobre-endividados, sem acesso aos créditos e sem qualquer margem de manobra, explosões sociais preocupantes, como consequência da desagregação completa do tecido social, do desemprego massivo e do alastrar da fome...

Tal não é de excluir também nos nossos países, onde inevitavelmente os encargos sociais dos Estados vão aumentar brutalmente, assim como o desemprego, a criminalidade e as tensões sociais. Serão necessárias por parte dos governantes e de todos nós uma atenção e sensibilidade social redobradas para que possamos evitar o pior.

O mais preocupante ainda, como se o que referi anteriormente não o fosse já sobejamente, é que a confiança dos cidadãos nos seus governantes, bancos e sociedades gestoras, foi gravemente atingida. Poderá levar muito tempo antes que a confiança se restabeleça e estimule o consumo interno que é, com o investimento público, das poucas alavancas que dispomos para inverter a tendência depressiva da economia, antes que ela entre em deflação!

É pois imperioso e urgente que as lideranças voltem a demonstrar aos seus concidadãos que estão mais preocupadas com os seus próprios Deveres, do que com os seus Direitos, e apenas Direitos! Se isso não acontecer rapidamente, as ondas de choque desta grave crise quase sistémica serão avassaladoras e a derrocada pode desde já estar anunciada. Nesse caso, um novo paradigma de sociedade humana levaria décadas a ser implementado.

Desde já apelo ao reforço da Cidadania Global Solidária e ao empenho total e convergente das três componentes de um Estado que se quer moderno e mobilizador: estruturas políticas do Estado verdadeiramente democráticas, geridas com responsabilidade e transparência, não receando ouvir os seus cidadãos e que acatem o sentido do seu voto (o que infelizmente os governos, ainda democráticos, da UE não pretendem fazer em relação ao voto dos irlandeses sobre o futuro do Tratado de Lisboa...), forças económicas e financeiras empreendedoras, responsáveis e cidadãos e sociedades civis organizadas, activas, exigentes, solidárias e transparentes.

Se assim não for, tanto a nível Nacional como Global, estaremos então todos em péssimos lençóis, e por tempo indeterminado.

É esta a minha sincera opinião.
 

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