Que Portugal no perturbado mundo contemporâneo?
No momento em que é grande a minha preocupação sobre a situação no Mundo quero lançar um veemente e esperançado apelo para a necessidade imperiosa de nós, Portugueses, tal como há cinco séculos, mostrarmos um espírito visionário, dinâmico e ousado, que nos ponha na vanguarda dos povos que, voltando-se para e abrindo-se ao Mundo, defendam as causas, a ética, os valores e os princípios, sem os quais não vejo, pessoalmente, futuro promissor para a Humanidade.
Sem pretender ser exaustivo, referirei alguns dos problemas mundiais candentes que já se nos apresentam e na solução dos quais Portugal deve empenhar cada vez mais a sua voz e as suas acções.
Os conflitos armados, muitos dos quais esquecidos, tendo como pano de fundo os vários nacionalismos, etnicismos, tribalismos, fundamentalismos...enfim, sempre a intolerância. É inadmissível e incompreensível que, no século XXI, em África, na Europa, na Ásia, nas Américas e no próximo e Médio Oriente persistam dramas incomensuráveis sem que os governantes da arena internacional e os seus órgãos económico-político-militares mostrem vontade e capacidade para lhes pôr cobro. Qualquer criminoso contra a Humanidade, qualquer governo incompetente, corrupto e assassino, goza de imunidade e ri-se da passividade das instâncias internacionais e das suas decisões e ameaças. Estamos em pleno reino da selva; da lei do mais forte. O Direito Internacional nunca foi, talvez, tão menosprezado, as decisões das Nações Unidas tão ignoradas e os Direitos Humanos tão espezinhados. Estamos no meio de uma profunda crise de valores, de uma total ausência de referências éticas.
Os movimentos migratórios do Sul e do Leste vão agravar-se sem que nenhuma política-fortaleza os possa conter. Só as árvores nascem e morrem no mesmo sítio.
Esses movimentos, que rapidamente se transformarão em verdadeiros rios humanos, virão desaguar nas nossas fronteiras e nas nossas cidades atraídos pela Europa - "Árvore de Natal". Eles são provocados pela péssima situação socio-económica em que vivem esses povos devido às guerras, aos fundamentalismos, à péssima governação (corrupção), à explosão demográfica e à degradação do eco-sistema (nomeadamente a desertificação).
Só uma acção de Solidariedade enérgica e urgentíssima, no sentido de uma Cooperação forte, activa e verdadeira que leve a uma melhoria significativa das condições de vida desses povos, nos seus próprios países, criando condições de um desenvolvimento sustentado poderá anular essa tendência migratória que já começou e que nos ameaça submergir. Tal não será possível sem se pôr cobro à desgovernação vigente em muitos países: a esse respeito o que se passa no Zimbabué é o perfeito exemplo. Ninguém, hoje, sabe dizer como é que a África sub-sahariana vai viver daqui a 20 anos, com o dobro da população actual. Não será então que as soluções de fundo terão de ser pensadas para um bilião e duzentos milhões de pessoas quando, já para este ano, o défice alimentar é superior a dois milhões de toneladas.
A desertificação vai ser só um dos problemas ecológicos que as próximas gerações, porque a nossa pouco ou nada fez, vão ter que enfrentar, se não começarmos já a tomar as medidas vitais para que o problema não se lhes venha a deparar insolúvel.
O reaparecer de movimentos políticos racistas e fascistas por toda a Europa, e em Portugal também, sem que os governantes pareçam poder ou querer reagir com medidas económicas e políticas enérgicas que lhes possam pôr cobro.
O desemprego com as subsequentes pobreza e exclusão social que atingem franjas cada vez mais importantes dos povos é o custo inaceitável de soluções económicas autistas e de uma má distribuição da riqueza existente. É necessário que cresça uma nova forma de solidariedade para com os pobres e que se ponha um travão às deslocalizações abusivas e nefastas de certas empresas globais hoje, infelizmente, mais poderosas que a maioria dos Estados.
Hoje em dia, ninguém pode dizer que não sabe, pois com a informação instantânea de que dispomos, temos todos obrigação de conhecer as questões fundamentais que se nos levantam. Não podemos também e sobretudo cair na descrença e na desmotivação do nada podermos fazer. Nós, cidadãos, nós, Sociedade Civil (de Portugal, da Europa e do Mundo) temos a força, a razão e a capacidade de intervir e de mudar o que quisermos e quando quisermos. Os povos não pertencem aos Governos, sejam eles nacionais ou supranacionais mas, sim, à Humanidade e, por isso, têm o direito e o dever de reagir e de exigir uma maior participação nas decisões que possam pôr em causa a sua existência presente ou futura.
Perante tal quadro, quanto a mim realista, é forçoso lutar com coerência, sem ambiguidades, sem compromissos e sem receios, pela defesa da Paz, da Liberdade e dos Direitos do Homem o que implica lutar pela defesa do nosso eco-sistema, do Direito Internacional, assim como pelo fim dos conflitos (nomeadamente o iníquo e intolerável descalabro humano vivido na Palestina).
Portugal, que deu mundos ao Mundo, que legou à História o Humanismo Universalista, que foi o iniciador do movimento que transformou a Terra numa Aldeia Global, levando os povos a conhecerem-se e as culturas a interpenetrarem-se (infelizmente nem sempre da melhor forma) Portugal demonstrou então, que podia liderar uma verdadeira revolução cultural mundial.
Hoje, também Portugal pode e deve liderar outra revolução mundial: uma revolução do foro ético, neste mundo cercado de perigos e ameaças que ainda não assimilou o ideal da Fraternidade, participando na génese de um novo paradigma humano: mais solidário, mais ético e mais justo.
No Mundo, na Europa e em Portugal os portugueses não podem adoptar uma atitude passiva, integrando um movimento isolacionista, de intolerância, de indiferença, que conduzirá à construção de uma inoperante e inumana Europa-Fortaleza. Portugal, que viu milhões dos seus filhos emigrarem e serem acolhidos em todos os continentes, deve recusar alinhar numa decisão cega e egoísta que só levará a maior desespero e revolta dos esquecidos e famintos que nos rodeiam e que merecem lhes seja dado tratamento humano.
Meus amigos, sendo um ser optimista - o que me levou a fundar a AMI, uma obra humanista de dignificação do Homem e de Portugal - acredito plenamente que temos razões para sermos um povo com confiança em si próprio, para não cairmos no conformismo e derrotismo dos perdedores e que podemos ser líderes na defesa intransigente e inegociável de valores e princípios que preservem e dignifiquem Portugal e a Humanidade e que possam desactivar as bombas-relógio que representam a pobreza, a fome e a violência. Como diz António Alçada Baptista no seu livro "O Riso de Deus": "A fome e a violência são absurdos de tal modo estampados na cara do mundo que, quem a isso não é sensível, é porque não se chegou a integrar na espécie humana".
Nós, Portugueses, e todos os povos do Mundo temos que fazer parte dessa espécie humana. Devemo-nos isso.
É na defesa e na dinamização desses princípios e valores éticos e humanistas universais que eu penso que Portugal, país pequeno em superfície mas grande na sua História e na sua gente, se pode empenhar tornando-se impulsionador. Uma visão do Mundo onde a Vida e o Cidadão sejam colocados no seu centro é a única solução para podermos continuar a caminhar todos em paz e em progresso. Nós, Portugueses, temos as potencialidades e a capacidade para participarmos activamente nesse processo humano, sem quaisquer complexos de inferioridade.
Esse caminho só pode ser um: o que leve ao desenvolvimento de todos os povos, respeitando-se mutuamente, ajudando-se mutuamente, nesta aldeia global que os nossos navegantes nos legaram.
Como escreveu Júlio Dantas num artigo sobre a Rainha Santa Isabel: " Que seria de Portugal se o seu povo tivesse perdido a sua generosidade e a sua dádiva para com os que sofrem? Porque ser Português é ter uma alma que se comove e vibra e chora quando perante a dor, o gesto nobre, o feito heróico, o amor. Foi essa generosidade que fez Portugal. Porque quando o povo quer, Portugal acontece".
Ao terminar, lembro-vos o que perguntava Jorge de Sena a concluir um poema sobre a liberdade após o 25 de Abril: "E agora, povo português?"