Falta de médicos
Periodicamente somos confrontados, no nosso País, com notícias surpreendentes, e preocupantes, no que à falta de médicos diz respeito.
Como no último verão: ora serviços de pediatria e de ginecologia inoperativos por falta de especialistas em número suficiente para garantir os turnos, ora serviços de emergência médica em ambulância, nomeadamente no baixo Alentejo, parados pela mesma razão…
Tal levou inclusivamente a uma intervenção sui generis e peregrina por parte de um responsável da referida região de saúde (em sintonia com o que já anteriormente tinha afirmado um ex-titular da pasta da saúde) que referiu na altura, para a comunicação social, a necessidade para o nosso País, a fim de se precaver no futuro da repetição das mesmas situações caricatas e chocantes, de “recrutar médicos em África, no Uruguai e no Paquistão!”.
Para mim foi, no mínimo, surpreendente: essas repetidas declarações e tudo o que tem vindo a lume na comunicação social, demonstram que não só não fomos capazes, nos últimos quinze anos, de prever as nossas necessidades básicas, no caso em apreço de médicos (o que teria sido relativamente fácil), como mostram uma tremenda insensibilidade para com povos ainda mais necessitados do que o nosso.
Alguns dos nossos “responsáveis” ao afirmarem, com despudor e sem qualquer pejo, que estamos dispostos, para suprir as nossas mais que previsíveis e antigas necessidades de médicos, a esvaziar dos seus mais valiosos recursos humanos, países e regiões já de si muito carentes, estimulando a fuga dos seus quadros, só demonstram que foram e continuam a ser irresponsáveis: para o País e para esses países menos desenvolvidos!
Actualmente, devido a políticas imprevidentes que resultaram na insuficiência do número de médicos para garantir os serviços de urgência do País, está-se a caminho de exigir que os médicos façam bancos de urgência de 12 ou 24 horas mesmo depois dos 55 anos.
Se tal ideia vingar, perante a urgência da situação decorrente da falta de previdência governativa passada, espero que seja pelo menos optativa! Falo à vontade: não sou funcionário do Estado e por isso as medidas que venham a ser tomadas não me dizem respeito! Mas sei do que falo: fiz centenas de bancos nos serviços de urgência dos Hospitais Universitários de Bruxelas dos 22 aos 34 anos. Sei como seria muitíssimo duro hoje, com 57 anos, passar noites a fio sem dormir, sob enorme pressão e esgotamento e lidar com situações médicas e cirúrgicas de extrema responsabilidade e exigência…
Estamos perante uma situação surrealista: há 15 anos, ou mais, não soubemos ou não quisemos planificar as nossas necessidades básicas (saúde/médicos). Durante esse período, o Estado (Ministério da Saúde e Ministério da Educação), as Faculdades de Medicina e a Ordem Profissional obrigaram por distracção, omissão ou defesa cooperativista de uma classe, a emigração forçada de milhares de jovens valiosos, impedindo-os de fazer os seus estudos de medicina em Portugal, para agora se constatar uma situação de grave ruptura nessa profissão tão necessária para o País.
Esse desnorte, já de si muito grave, destruiu também sonhos, vocações e legítimas expectativas: muitos desses jovens necessitaram de acompanhamento médico e muitos nunca mais voltaram a ser os jovens esperançosos e dinâmicos que tinham sido, e milhares de famílias do nosso País foram afectadas. Conheço algumas e várias escreveram-me descrevendo as revoltas, frustrações e angústias…suas e dos seus filhos!
Muitos desses milhares de jovens obrigados a emigrar para concretizarem os seus sonhos e anseios, magoados e maltratados pelos irresponsáveis do seu país que montaram um sistema de selecção completamente estapafúrdio, injusto e inconsequente, nunca mais regressarão ao nosso país porque a sua formação além fronteiras não é devidamente valorizada, porque por lá criaram novos laços familiares e porque preferiram ou preferem ficar nos países onde se formaram (Espanha, França, Bélgica, Inglaterra, República Checa, EUA, Itália…) ou são aliciados para outros países onde são e serão melhor acolhidos e remunerados como a Suécia…
E eu ouso fazer esta simples pergunta: em nome do nosso País lesado, hoje em carência grave de médicos, em nome dos nossos doentes, que padecem da falta de médicos que poderiam e deveriam ter se tivesse havido correcta planificação e organização, e em nome dos jovens e famílias, afectados por tamanha incúria, os responsáveis pelos desmandos dos últimos quinze anos, ou mais, sobre a matéria em apreço, nunca assumirão os seus erros e nunca serão chamados à razão?