A Geopolítica do Caos e da Fome
O texto que se segue foi escrito em Dezembro de 1998, há mais de 10 anos (incluí-o também no meu livro "Gritos Contra a Indiferença")...
Constato, infelizmente, que tinha razão!...
De regresso de várias viagens - à Guiné-Bissau (via Senegal) durante o último Verão, para apoio às populações vítimas da guerra; de uma estadia no Bangladesh onde a AMI está a financiar um projecto junto dos miseráveis deslocados pelas recentes inundações; de uma passagem por Nova Iorque, a convite da Fundação Konrad Hilton para participar num seminário sobre o Humanitário e o século XXI; e de uma missão humanitária nas Honduras para socorrer as vítimas do ciclone Mitch - devo confessar que concordo com o Sr. Ignacio Ramonet, director do “Le Monde Diplomatique”: estamos a caminho do caos. Ou paramos já (para escutarmos e socorrermos os gritos de desespero de ¾ da população mundial, para olhar e ver os erros cometidos nomeadamente na defesa do Homem e do meio ambiente e para pensarmos no que realmente queremos fazer do nosso mundo) ou todo este frenesim descontrolado pode levar-nos mesmo ao caos global.
Hoje, os políticos, os economistas e os financeiros estão todos ultrapassados, tentando no máximo gerir o dia a dia, pela rapidez com que a globalização se fez e pela instantaneidade com que os colossais fluxos financeiros se movimentam, destabilizando regiões inteiras num jogo virtual especulativo, perverso e perigosíssimo para o mundo inteiro. Estamos em equilíbrio muito instável em cima de um castelo de cartas que pode ruir de repente, levando consigo toda esta aparente e falsa tranquilidade. A falência do banco Barings e os efeitos do “el niño” e da “el niña” já deviam ter sido suficientes, entre muitos outros sinais de alerta, para nos chamar à razão e ao bom senso!
As revoluções tecnológica (tendencialmente desumanizante), económico – financeira (verdadeiro jogo como no “mercado dos futuros”!!) e social (a crise global do poder/ desemprego) em curso, estão a levar ao domínio total do financeiro sem rosto sobre o político, o social, o ético e o moral com todas as terríveis consequências. Sem querer ser o Velho do Restelo, grito: alerta!, cuidado!
Com tanto miserável no nosso mundo onde umas 300 pessoas acumulam mais riqueza do que 3 biliões (50% da população mundial), onde o fosso entre o Norte e o Sul nunca foi tão abissal, onde as disparidades sociais nos países ditos civilizados e desenvolvidos nunca foi tão grande, isso só pode rebentar. Quando? Não sei! Só sei que assim não vamos a parte nenhuma. É tempo de inverter a marcha funesta que nos tem conduzido. Por favor, é preciso bom senso.
Após ter estado num espaço de um mês em Gabu, na Guiné, em Nova Iorque e a sua frenética Wall Street, em Bogra, no Bangladesh e em Tegucigalpa nas Honduras, estou em estado de choque. Não aceito tão fantásticas disparidades; não é humanamente suportável. Eu não consigo conviver com isso sem gritar a minha angústia, revolta e indignação e sem tentar, convosco, fazer algo de positivo pelos sofredores, pelo nosso mundo.
Peço-vos, pois, para reagirem. À escala individual, sejamos solidários. Não à indiferença, não à intolerância, não ao caos que alguns estão a oferecer a tantos, em nome de coisa nenhuma a não ser a insensatez e a cobiça. Temos, cada vez mais, de continuar juntos a nossa luta. Só ela dá sentido à vida.
Publicado na AMInotícias nº14 - 1998