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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

Contra a Indiferença

31
Dez10

2011

Fernando Nobre

Encerra-se o Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social e inicia-se, em Janeiro, o Ano Europeu do Voluntariado.

 

Um e outro deviam vigorar em permanência. As duas causas são essenciais. São pedras basilares na vivência em sociedade.

 

A pobreza é um flagelo. É uma violação sistemática dos direitos humanos. A pobreza e a exclusão social impedem, desde logo, o cumprimento do 1º artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem – igualdade em dignidade e direitos. A situação de pobreza e/ou exclusão castra, à partida, grande parte das possibilidades de evolução pessoal. E as perspectivas não são as melhores. Quando todos trabalhamos para atingir os Objectivos do Milénio e nos congratulamos com a evolução, ainda que lenta, da situação de pobreza extrema em que vivem algumas populações no Mundo, assistimos, no nosso país, a um retrocesso cada vez mais evidente.

 

A AMI aplica, actualmente, mais de 50% dos seus recursos financeiros em projectos em Portugal. Isto, meus amigos, apesar de ser um claro sinal do empenho da AMI na mitigação dos problemas ao nível nacional é também, infelizmente, sinal de que há cada vez mais necessidade. É assim que a celebração do Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social não podia ter sido mais pertinente.

 

Mas há que continuar!

 

E se constatamos que o Estado não fará mais em 2011, do que fez em 2010; que as empresas estão também elas a atravessar um momento difícil; que as organizações não governamentais, IPSS e associações várias estão no limite das suas capacidades, façamo-lo nós enquanto cidadãos. Cada indivíduo tem, na sociedade, tanta responsabilidade como o Estado ou agentes do poder económico. Cada um de nós deve deitar mãos à obra e fazer pelos outros. Pelo vizinho. Pelo amigo. Olhemos quem está à nossa volta e ofereçamos a nossa mão, o nosso tempo. Por vezes, esse gesto quase que basta para fazer a diferença. A isso se chama voluntariado. E assim se deve viver em sociedade.

 

Celebremos então o Ano Europeu do Voluntariado considerando-o parte da solução para a situação de pobreza e exclusão social em que algumas pessoas, infelizmente, vivem. Só assim poderemos fazer face aos tempos verdadeiramente difíceis que se avizinham. Unidos, com espírito de entreajuda. Empenhados em causas. Dando-nos ao trabalho de nos envolvermos... Devemos ser nós, os cidadãos, a mostrar que a crise financeira é vencível. E que a indiferença não predominará.

 

Existe um caminho, ainda que longo. E ele está em cada um de nós. Se cada um continuar no seu trilho sem olhar para o que se passa ao lado, para além de uma crise financeira teremos, muito em breve, uma crise social devastadora. Estou certo que o voluntariado é não só a solução para muitos problemas, mas também a fonte mais cristalina de auto-estima de um povo.

 

Escrevi-o em 2001 e continuo a acreditar: "Os desafios que a Humanidade tem de enfrentar são enormes mas tenho a convicção de que os cidadãos saberão responder positivamente tanto no que diz respeito à defesa do ambiente como à condução de uma ajuda humanitária verdadeiramente credível e não manipulada por outros interesses menos claros, como no combate sem tréguas à pobreza e à exclusão social e também numa luta sem quartel contra toda a forma de intolerância. Num mundo em que a ausência de políticas corajosas gera a ausência de causas, estou convicto que uma sociedade civil forte e activa saberá lutar por essas causas, as eternas causas universais, as causas dos valores, porque é disso que estamos à espera, duma globalização de valores e sobre isso, sem dúvida nenhuma, o voluntariado tem uma palavra decisiva a dizer. Estou certo que a dirá."

 

Desejo a todos um ano de 2011 repleto de acções de voluntariado! Será, certamente, um ano de riqueza interior.

20
Mai09

Acabar com a Pobreza? O sonho é possível!

Fernando Nobre

Peço-vos desculpa. Estou em falta: não tenho arranjado tempo para vos falar das amadas Tombouctou e Guiné e dos famigerados vírus, o da gripe que apavora o visível mundo ocidental e o da meningite que mata aos milhares, silenciosamente, no Chade, no Níger...países invisíveis com povos sem rosto e sem voz... patético!

 

 

Há 25 anos fundava a AMI. Faço questão de assinalar esta efeméride com um pedido:
NÃO NOS ESQUEÇAMOS DOS NOSSOS POBRES! É TEMPO DE AGIRMOS TODOS PARA CONSTRUIRMOS UM MUNDO DE PAZ!

 

Meus Amigos, não obstante várias “Cimeiras Mundiais” aflorarem constrangidas e muito ao de leve a questão da pobreza, com promessas do género “redução da pobreza em 50% no Mundo até 2015” (!!) (quem se responsabilizará pelo infelizmente já anunciado fracasso?), falar de pobreza e de exclusão social ainda não está verdadeiramente na ordem do dia nem em Portugal nem no Mundo (ainda que a miséria seja a causa principal da insegurança que a todos amedronta).

 

É importantíssimo que nós portugueses não tenhamos pejo em falar e não nos esqueçamos nunca que sobre essa “matéria” somos, para nossa infelicidade e vergonha, os recordistas da União Europeia (o que seria se incluíssemos os remediados e a pobreza escondida que se cala entre nós?). A esse respeito, a União Europeia considera que 20% dos portugueses são muito pobres e que 60% dos nossos compatriotas assumem-se como pobres! Relembro que temos muitos idosos a sobreviverem com uma pensão de miséria de cerca de duzentos euros mensais e trezentos mil com menos de trezentos euros mensais. A título meramente indicativo refiro que a evolução do número de novos casos atendidos nos 11 Centros Sociais da AMI tem vindo sempre a crescer desde o ano 2000. Devo confessar que, perante as perspectivas reais do aumento do desemprego entre nós, estou até francamente assustado. Na AMI, pese embora a abertura já programada de mais dois centros sociais (um segundo centro Porta Amiga em Almada e um Centro Social em Ponta Delgada), temo muito seriamente que tenhamos já atingido a nossa capacidade máxima de atendimento.

Não é vergonha nenhuma reconhecermos esta nossa situação; triste é fazermos a política da avestruz, silenciando o problema. Até hoje, em Portugal, nenhum governo teve a coragem, lucidez e sensibilidade de eleger essa questão como “A CAUSA NACIONAL” (outras “causas nacionais conexas” deveriam ser a Saúde, a Educação, a Justiça, o Civismo, a competitividade empresarial, a produtividade individual e colectiva... que resultassem num verdadeiro modelo de desenvolvimento nacional sustentado). Tenho para mim que é crucial lançar-se, com carácter de emergência, esta CAUSA NACIONAL E MUNDIAL, sensibilizando, incentivando, motivando, pedindo e exigindo sem tibiezas o esforço e o empenhamento de TODOS nessa vital tarefa para Portugal e para a Humanidade. Diga-se de passagem que já em 1994, em França, as organizações não governamentais se juntaram por “um pacto contra a exclusão”, como Grande Causa Nacional. Há uns 10 anos que apelo, sem sucesso, pelo lançamento e dinamização dessa nobre causa!

 

Essa atitude é de primordial importância para o País numa altura em que se perspectiva muito seriamente o aprofundamento da crise económica mundial (a europeia e a portuguesa também!). Crise essa provocada pela ganância e irresponsabilidade, pelo esbanjamento e má distribuição dos recursos, instabilidade mundial pela instalada desconfiança generalizada no sistema financeiro, enfermo de ganância ávida e de falta total de ética. Mas acima de tudo devida à ausência gritante de uma liderança global esclarecida e responsável que se recusa a analisar as verdadeiras causas do mal estar global instalado (que a conduziria aos diagnósticos e aos tratamentos que urgentemente se impõem), parecendo optar pela fuga para a frente, empurrando-nos para o caos. Trata-se da concretização da justamente anunciada “geopolítica do caos”, geradora de maior pobreza e miséria, também entre nós!

 

Mais do que nunca precisamos de SOLIDARIEDADE e ÉTICA: não é com o egoísta e nefasto “salve-se quem puder” individual e selvagem, tão ao gosto de certas multinacionais; não é com o fatal e inaceitável “os civilizados e os não civilizados” do inenarrável Senhor Aznar (como o ouvi há dias nas Conferências do Estoril); tão pouco é com a tragédia permanente em curso, embora hoje silenciada, na Palestina e em Israel, que poremos fim ao caos anunciado e que alguns, poucos, teimam em tornar realidade. Relembro apenas que a pobreza é uma violação profunda dos cinco grupos dos Direitos Humanos Fundamentais (civis, políticos, culturais, económicos e sociais)! Por outro lado a violação sistemática de um qualquer desses direitos degenera rapidamente em pobreza! Há pois uma ligação estreita entre pobreza e violação dos Direitos Humanos!

 

Sempre o disse e repito: nunca nenhum cidadão, evidentemente ainda com maior ênfase para os que têm responsabilidades políticas, digno da sua humanidade e cidadania, o que, ipso facto, implica direitos mas também deveres, poderá dar-se por satisfeito e dormir tranquilo enquanto um único dos seus concidadãos viver na miséria! O que acabo de dizer tem ainda maior relevância no mundo em que vivemos; a luta pela segurança, tão na ordem do dia, não surtirá nenhum efeito duradouro se simultaneamente não trabalharmos também afincadamente para acabar com a pobreza e a injustiça social no nosso País e no Mundo! Pode não ser politicamente correcto mas é humanamente correcto! Ou será que queremos todos viver amanhã em condomínios fechados e armados, verdadeiras “prisões com grades de ouro” ou mesmo bunkers?

 

Relembro as vergonhosas estatísticas da União Europeia sobre a nossa pobreza e que 40.000 das nossas crianças estão em risco! Dirão alguns espíritos, sempre satisfeitos desde que a miséria não lhes bata à porta, que sou um ingénuo, um sonhador ou um demagogo em imaginar sequer que este assunto tem solução! Sonhador, sim. Ingénuo e demagogo, não! Estou consciente da dificuldade e complexidade da questão mas também sei que, com determinação, esforço, inteligência, sensibilidade e vontade, poderíamos todos juntos, se para isso fôssemos devidamente consciencializados, motivados e alentados, fazer face ao problema e em grande parte resolvê-lo: acredito que o povo português tem força anímica (já o demonstrou com D. João II) e humanismo suficientes para levar com determinação tal tarefa que, repito, deve ser indiscutivelmente “A CAUSA NACIONAL”, o objectivo por excelência para os próximos anos pois condicionaria positivamente, estou certo, o nosso futuro colectivo!

 

Dentro desse espírito apelo desde já à criação de “ Um Dia Nacional Contra a Exclusão Social e a Pobreza” que deveria pôr, entre outros, a tónica nos casos de sucesso no País que servissem de dinâmica mobilizadora para todos e nos empolgassem!
Uma vez decidida, dita e explicada claramente esta “ CAUSA”, ouso pensar que, politiquices à parte, a larga maioria dos portugueses estaria de acordo quanto à estratégia e aos meios que permitissem rectificar o estado de pobreza do nosso País: investimento a sério na educação e na saúde, incentivos à formação profissional e à produtividade (se sabemos ser eficazes e produtivos no Luxemburgo, na Bélgica, na Austrália ou nos Estados Unidos porque não em Portugal? Ousemos pois interrogar-nos!...), combate determinado à fraude e evasão fiscais (o que será facilitado se o Estado for visto como pessoa de bem!), desenvolvimento do fundamental conceito de “Cidadania Empresarial”, valorização da competência profissional, do método e da organização em detrimento do laxismo, do amiguismo e do clientelismo político que já tanto prejudicaram o País, investimento numa verdadeira cultura cívica de responsabilidade e de solidariedade entre os cidadãos e entre estes e o Estado e vice-versa, investimento sem contemplações na investigação e na ligação entre as universidades e as empresas (o eterno problema da ideal união entre a teoria e a prática / “mens sana in corpore sano”!) tornando-nos mais operacionais e deixando-nos de ser o povo da cátedra e do bla-bla-bla (com licenciaturas, mestrados e outras pós-graduações que se multiplicam, sem nenhum valor acrescentado para as pessoas e o País), valorização do nosso interior, dos nossos agricultores e pescadores....

Temos que dar meios e confiança à sociedade civil organizada, sedenta de acção positiva que poderia canalizar utilmente o enorme potencial de voluntariado dos nossos jovens, reformados e pré-reformados...enfim mil e um meios que só funcionarão se o povo português ACREDITAR e se para isso for positivamente MOTIVADO: é de causas, de UMA CAUSA que todos nós precisamos. Se no-la derem, acreditaremos que somos capazes e, não tenho dúvidas, resolveremos a questão tão bem ou melhor do que outros! SOMOS CAPAZES: PRECISAMOS TÃO SÓ DE UMA CAUSA JUSTA E NOBRE E DE SER MOTIVADOS! Que imenso bem tal causa bem sucedida faria ao nosso tão abalado ego nacional. É difícil? Pois é, mas só as causas difíceis são merecedoras do nosso povo. Lembram-se do “...e deram novos Mundos ao Mundo...” e do “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena!”? Pois bem, esse é também o nosso Património, e por ele temos o dever indeclinável de acabar uma vez por todas com esta vergonha nacional: a Pobreza gritante e intolerável que dilacera a barriga de muitos dos nossos concidadãos.

 

Aceitar como normal, ou inevitável, a pobreza e a miséria humana é que NÃO! NÃO aceito e estou pronto a enfrentar todos os moinhos de vento! Reconheço que é esgotante, e por vezes desmoralizante, tais são a inércia e os obstáculos com que diariamente nos confrontamos mas penso que, modéstia à parte, temos demonstrado que é possível! Sou daqueles que entende que vale a pena realizar sonhos e utopias. Não se diz que “Deus quer, o Homem sonha, e a Obra nasce”? Pois então, vamos todos sonhar e acredito que conseguiremos! Este é o nosso dever: amanhã os nossos filhos viverão num Mundo melhor se, desde já e sem ambiguidades ou tibiezas, assumirmos este indeclinável dever! E quem pensar que estou a divagar, está enganado. Embora com mil dificuldades e incertezas (ainda mais agravadas hoje em dia pela crise económica e orçamental, para já não falar da insensibilidade decorrente da “cultura” da Indiferença e do Egoísmo, e do famoso e mortífero “ Vírus da Ganância” estou convicto que podemos, e devemos, vencer o contra-senso que são a pobreza e a miséria.

 

Ainda assim continuo a ter vergonha sempre que vejo uma mão estendida em Portugal e no Mundo e não consigo dormir tranquilo! Mais do que nunca quero sonhar que é possível: é a sobrevivência do nosso colectivo, são as nossas dignidade e honra de Seres Humanos e Portugueses que estão em causa! Não nos é permitido falhar! Sonhemos e actuemos!

Oxalá assim, consigamos todos dormir tranquilos amanhã !
 

11
Fev09

Século XXI: Estamos apostados em vencer os desafios à Humanidade!

Fernando Nobre

Mais uma vez, sou tentado a colocar aqui um texto, escrito há 8 anos, que, pela actualidade que ainda mantém, considero pertinente.

 

 

Entrámos no Século XXI, esperançoso para muitos, assustador para bastantes mais e uma verdadeira incógnita para quase todos se exceptuarmos os inconscientes que, cegos pela sua megalomania financeira e pelo seu efémero e aparente poder, pensam tudo poder condicionar, dominar, manipular, operando a seu belo prazer, do ambiente à existência dos seus semelhantes. Tal é a cegueira, que nem se apercebem dos enormes desafios que os esperam, em grande medida como consequência directa dos seus egoísmos, insensatez e ganância, e que teremos de enfrentar e vencer no século que agora principia!

 

Acabamos de deixar, convenhamos que com poucas saudades, o Século XX, sem dúvida marcado pelo mais intolerável paradoxo:


1) Por um lado, assistimos a horrores:


a) Os genocídios, as matanças e as arbitrariedades provocadas pelas mentes doentias dos loucos sedentos de poder ou de hegemonia, como Hitler, Hiro Hito, Estaline, Mao, Pol Pot ou Pinochet, entre tantos outros, e de todos os seus acólitos. Inúmeros outros ditadores os sucederem, espalhando a morte, o terror e a barbárie do Ruanda à Serra Leoa, passando pela Libéria, Somália, Burundi, Angola, Colômbia, El Salvador, Congo, Bósnia, Chechénia e tantos outros... Mas tal só foi possível com a conivência e, tantas vezes até com o apoio das diplomacias das “Grandes Potências”. Diplomacias pouco ou nada democráticas, na medida em que, conduzidas quase sempre à revelia dos sentimentos e das aspirações dos nossos povos, se fossem postas à votação, de certeza não seriam sufragadas.

b) Do lado negro do Século XX, ainda de salientar as mentes geniais e brilhantes, mas cegas e loucas, dos cientistas que, enclausurados nos seus laboratórios e levados pela excitação da “descoberta”, omitiram as suas responsabilidades éticas perante a Humanidade e, deixando-se manipular por pressões políticas e “Razões de Estado”, conceberam e realizaram as bombas atómicas, químicas e bacteriológicas, de sinistra memória, que até hoje ameaçam de extermínio e enfermidades. E mais, sem acautelarem todas as possíveis implicações, lançaram-se desenfreadamente, como autênticos aprendizes feiticeiros, na manipulação genética criando os OGM (Organismos Geneticamente Modificados), verdadeira espada de Damocles suspensa sobre os agricultores e, por isso, sobre todos nós, tornando a Clonagem Humana uma assustadora realidade.

c) De salientar ainda o autismo social e alucinante que produziu a nossa civilização no século que findou: produziu riqueza e descobertas científicas inigualáveis na História mas infelizmente não soube ou, pior, não quis, por egoísmo ou indiferença, partilhá-las com toda a Humanidade, deixando-as reféns de uma minoria cada vez mais rica e mais detentora do saber e da alta tecnologia, perante uma maioria cada vez mais numerosa (a população mundial passou vertiginosamente de um para seis biliões de pessoas entre 1900 e 2000, vivendo actualmente metade destas pessoas amontoadas em megacidades; e serão cerca de 70 por cento em 2025. Já entrámos no assustador Milénio Urbano!) mais relativamente pobre e ignorante, mais ignorada e prisioneira do ciclo infernal das suas doenças esquecidas e da sua miséria, criando assim as condições objectivas que nos fazem entrar no século XXI com justificados receios e anseios das bombas sociais e ecológicas que deixamos armadilhar.

 


2) Por outro lado, tivemos a sorte e a alegria de assistirmos durante o século agora findo a acontecimentos extraordinários:


a) A medicina conheceu assinaláveis progressos, dos meios de diagnóstico aos tratamentos, permitindo a cura e a prevenção de enfermidades que povoam de terror, não há muito tempo, o nosso imaginário colectivo, mesmo no Ocidente, tais como a peste, a lepra, a tuberculose, a varíola, a sífilis, a cólera... pena é não se ter também investido e investigado de forma suficiente e empenhada as doenças que afectavam e continuam a afectar essencialmente os países mais pobres, tais como a malária (só há bem pouco tempo banida da Europa e que pode regressar mais depressa do que muitos pensam...), a doença do sono ou tripanosomíase, a biliarziose, a doença de Chagas, o dengue, a oncocercose, a leishmaniose, ... sem falar já da terrível pandemia do SIDA que, por si só, poderá parar ou gravemente condicionar o futuro desenvolvimento da África negra e da Ásia meridional, doença essa para a qual, para já, se vislumbram mais preocupações de controlo dos futuros mercados, com os enormes lucros financeiros daí decorrentes, do que em salvar as dezenas de milhões de africanos já condenados à morte certa.

b) O aperfeiçoamento e o desenvolvimento antes inimaginável da tecnologia, infelizmente não seguida por uma evolução espiritual tão intensa, levou-nos à Lua, às profundezas dos oceanos, à televisão, à telefonia mais sofisticada, à Internet, à informação/desinformação/manipulação instantânea, dita online, aos satélites espiões e outros ultra-sofisticados, à Ressonância Magnética e outras imagiologias médicas espectaculares, aos aviões supersónicos que fizeram de Lisboa e Moscovo duas aldeias vizinhas embora ainda muito incompreendidas, à maximização da produção agrícola e animal que levou a que, como nunca antes, o Mundo conhecesse uma produção alimentar globalmente excedente mas coexistindo com vastas regiões de fome e com o brinde, devido à ganância pelo lucro fácil das multinacionais da indústria agroalimentar, da encefalite espongiforme bovina e humana!

c) O acordar da sociedade civil mundial: este acordar é, quanto a mim, a grande esperança para o Século XXI. Os cidadãos do mundo inteiro entenderam enfim que “Democracia” não é apenas ter direito a voto e a falar! É também participar no dia-a-dia nas decisões e nas suas correctas implementações que condicionam as nossas vidas e a nossa Humanidade no seu concreto. Estou certo de que esta tomada de posição assumida pela Sociedade Civil Mundial, expressa muito claramente no I Fórum Social Mundial (que decorreu em Porto Alegre, no Brasil, recentemente), é irreversível no sentido da MUDANÇA POSITIVA tão necessária para os bem mais necessitados do Mundo. Espero muito sinceramente e esperançosamente que os “Senhores do Mundo” do G8, do FMI, Banco Mundial e outros, que se reúnem há décadas em Davos, entendam e entrem em diálogo rapidamente pois só assim se evitarão explosões sociais de terríveis consequências a curto e médio prazo!

 

Foi com este intolerável paradoxo do Século XX que entrámos no Século XXI, com todos os medos e anseios justificados, entre outros:


• da explosão demográfica, das imigrações em massa – já iniciadas e doravante inevitáveis com os seus nefastos acompanhantes, o racismo e a xenofobia.
• da instabilidade laboral e social e da subsequente exclusão e miséria que nos irão bater à porta, trazidas pela globalização, refém de um neoliberalismo selvagem, desregulado, sem humanismo e sem ética.
• das drogas para os nossos filhos.
• do SIDA, sobretudo para os países mais pobres,
• dos integrismos, fanatismos e outros fundamentalismos, religiosos ou não.
• da destruição irreversível dos recursos naturais.
• do descontrolo no uso das armas nucleares mesmo que “só” tenham urânio “empobrecido”.
• de já não sabermos o que podemos comer pois já não podemos confiar no que os responsáveis nos dizem, como o surto da BSE tem demonstrado em toda a Europa!
• da aceleração brutal que a vida levou, tornando tudo efémero, tudo instável, fazendo com que ninguém hoje tenha certezas e garantias para o “amanhã”.
• de saber se não seremos também produtos descartáveis e se os nossos filhos terão sequer tempo para nos vir dar um beijo, deixando-nos numa atroz solidão, solidão essa à qual são já votados muitos dos nossos anciãos depositados em “lares”, por vezes autênticas antecâmaras da morte por abandono!


São esses os desafios que vamos ter de enfrentar e vencer juntos, lutando por um novo padrão do Homem: um Homem que lute por ser e não por parecer, um Homem com uma mente virada não só para si mas também para o Outro e para o Mundo como partes integrantes do seu próprio Ser!


A evolução positiva do Mundo e do Universo, assim como a nossa própria evolução e bem-estar exige-o a todos nós! Vamos pois em frente e juntos venceremos todos esses desafios e medos e todos os demais que possam surgir!


Não estamos sós, pude confirmá-lo pessoalmente em Porto Alegre: os cidadãos do mundo inteiro estão a reagir! Eis, meus queridos amigos, o novo paradigma para o Século XXI, já que a Humanidade na sua lentíssima, mas mesmo assim, positiva caminhada ainda não logrou alcançá-lo. Com a nossa ajuda, os nossos netos irão certamente conseguir.

 

Publicado na AMInotícias nº19, 2001

 

21
Jan09

A nossa Pobreza: a nossa Vergonha

Fernando Nobre

Uma vez que tem havido alguns comentários nos quais se afirma ou se insinua que não presto tanta atenção aos problemas nacionais como ao que se passa para lá das nossas fronteiras, decidi, e porque é de diálogo que se trata (afinal um blog serve, a meu ver, para isso mesmo!), deixar este texto sobre a problemática da pobreza e da exclusão social em Portugal. Espero assim conseguir esclarecer todos aqueles que tiverem interesse, sobre a minha posição e sobre o que faço nesse contexto. Para tal, é absolutamente necessário falar, também, do que a AMI faz nesta área, coisa que farei excepcionalmente neste espaço, uma vez que este blog pretende ser um blog pessoal, que mantenho enquanto cidadão e não enquanto Presidente da AMI. 

 

 

A Pobreza e a Exclusão Social (irmãs siamesas) são os principais obstáculos da existência de um bom clima de Paz no Mundo. Incongruências dos tempos modernos, essas graves violações dos Direitos Humanos impedem que se perspective um futuro harmonioso para o nosso planeta. As causas de tamanho paradoxo, num Mundo que nunca produziu e acumulou tanta riqueza, são a indiferença, a intolerância, a ganância e a falta de Amor geradores de guerras, desgovernação e desemprego.

Como problema global que é, o binómio pobreza-exclusão ao envergonhar, humilhar e marginalizar mais de um terço da população mundial, retirando-lhe qualquer esperança, está no cerne de problemas globais tais como: a fome, a imigração, os sem-abrigo, os mercados do trabalho precário e da prostituição, a mortalidade e exploração infantis, o tráfico de sangue e órgãos, a propagação do SIDA, as crianças soldado, a mortalidade materna perinatal, o analfabetismo, as culturas do ópio e da cocaína, a escravatura florescente, a exploração laboral (real motivação de tantas deslocalizações de empresas gananciosas e sem ética social) e ...a terrível insegurança. Não tenhamos dúvidas: é no pântano da miséria, da exclusão e da humilhação (origem de revolta e ódio) que as organizações terroristas recrutam.

Eis o panorama inquietante que pode matar, mais depressa do que pensamos, as nossas Democracias, Liberdades, Garantias e efémeras certezas! É a temível “Bomba Social”: tão falada mas tão menosprezada. Com o rastilho já aceso ela está visível na fome, na imigração massiva, no êxodo rural, nos bairros da lata que asfixiam inúmeras cidades no Mundo, nas legiões de sem-abrigo e meninos de rua, na criminalidade crescente...e está prestes a explodir na cara de todos nós. Disso não tenho a menor dúvida a menos que actuemos já. Pensemos nos Objectivos do Milénio a realizar até 2015...

Portugal não está imune a essa tragédia anunciada. Não nos iludamos: o problema é grave. Pelo menos vinte por cento da nossa população vive na pobreza e os guetos de exclusão social existem! Ainda podem aumentar...São factos indesmentíveis. Só quem não está atento ao país real é que se deixa ludibriar. A pobreza e a exclusão são a nossa vergonha. Só nos resta combatê-la. Com determinação, sem tibieza, com humanismo e compaixão para com o nosso povo onde se incluem, evidentemente, todas as minorias étnicas e comunidades imigrantes, legais e ilegais, que partilham, no seu dia-a-dia, os nossos problemas, anseios e alegrias. Como País de emigrantes que fomos (e continuamos a ser) é uma questão de dignidade nacional.

Em Portugal é possível reduzir drasticamente a pobreza e a exclusão social. Esse objectivo será conseguido se fizermos do imperativo de acabarmos com esta nossa vergonha uma Causa Nacional. Tal exige vontade, meios, empenho e a união de todos: partidos políticos responsáveis, forças económicas cidadãs, sociedade civil esclarecida e organizada e cidadãos voluntários, activos e solidários. Só mobilizados e motivados, em nome de Portugal, criando mais riqueza nacional e não aceitando olhar para essa vergonha como uma fatalidade, ou qualquer atavismo lusitano, é que venceremos. Se não o fizermos, e já, poderá estar em causa a nossa Democracia e o nosso futuro colectivo enquanto Nação.

 

Os números do Departamento de Acção Social da AMI falam por si:


- No ano de 2007 procuraram apoio social da AMI 7.386 pessoas, mais 862 casos do que em 2006. Esses dados referem-se a oito Centros Porta Amiga da AMI: 4 na Área Metropolitana de Lisboa (Olaias, Chelas, Almada e Cascais); 2 na Área Metropolitana do Porto (Porto e Gaia); um em Coimbra; e um no Funchal.

- Da população apoiada pela AMI, 79% é portuguesa e cerca de metade reside na área geográfica da Grande Lisboa. Na área do Grande Porto (Porto e Vila Nova de Gaia) o apoio aumentou de 2.291 para 2.611 pessoas (o que representa 35% da população total). As restantes encontram-se distribuídas pelos centros sociais do Funchal e de Coimbra. Estes números não contemplam os dois abrigos nocturnos da AMI (Porto e Lisboa) bem como o centro social de Angra do Heroísmo nos Açores, inaugurado em Dezembro.

- Tendo por base os anos de 2003 e de 2007, na Grande Lisboa, o número de atendimentos aumentou de 2.712 para 3.729 pessoas. Nesse período, 13.926 pessoas recorreram pela primeira vez aos apoios sociais da AMI. O número de pessoas que nos procuram pela primeira vez não regista grandes alterações ao longo dos anos, com uma média anual de cerca de 2.800 novos casos. Em termos de frequência, registou-se uma média anual de 6.500 casos de pobreza.

- Factor a realçar é o aumento do número de mulheres que procuram apoio. Se, em 2000 e 2001, esta percentagem não chegava aos 45%, em 2007, 53% da população que procurou a AMI era do sexo feminino. O desemprego, a monoparentalidade e a violência doméstica poderão estar na origem deste fenómeno. Na área da Grande Lisboa, este diferencial é mais significativo em centros sociais como Chelas (62%), Almada (58%) e Cascais (57%). Na área do Grande Porto, no centro social do Porto (53%) e em Vila de Nova de Gaia (59%) os valores também são superiores.
Do(a)s sem-abrigo, 24% são mulheres, tendo aumentado 11 pontos percentuais desde 1999. No centro social das Olaias, verifica-se uma tendência inversa, sendo o fenómeno dos sem-abrigo tipicamente masculino.
Os principais motivos referidos por quem nos procura estão relacionados com a precariedade financeira (87%) e o desemprego (40%). Seguem-se as razões de saúde (13%) e a falta de habitação (12%). Os serviços mais solicitados são o Apoio Social (54%%) na procura de um novo projecto de vida e subsequentemente a satisfação de necessidades básicas: géneros alimentares (67%) e refeitório (36%) e vestiário (55%).

- No âmbito do Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados, a AMI distribuiu, desde 2002, perto de 2600 toneladas de alimentos. Durante o ano de 2007, a AMI distribuiu 488 toneladas de géneros alimentares, valor inferior ao ano anterior (530 toneladas). No entanto, o número de famílias apoiadas aumentou de 2.434 (2006) para 5.524. No mesmo período, o universo de pessoas apoiadas passou de 5.137 para 16.531 pessoas, três vezes mais.

- Também nos abrigos nocturnos houve um aumento do número de pessoas apoiadas. No abrigo da Graça, em Lisboa, deram entrada 44 novos casos. Desde 1997, este equipamento já deu apoio a 474 pessoas, número a que acrescem 68 pessoas apoiadas pelo abrigo do Porto. Assim, desde 1997, os abrigos apoiaram 542 homens sem-abrigo em situação de reinserção sócio-profissional. Este trabalho é complementado pelas equipas de rua de Lisboa e Gaia que, durante 2007, acompanharam um total de 119 sem-abrigo.

 

Aconselho ainda a que seja consultado o Relatório de Actividades da AMI, para uma noção do trabalho da instituição, no seu todo, que abrange a área internacional, nacional, ambiental e de alerta de consciências.

 

PS – Até ao final da semana conto poder publicar um texto sobre o Zimbabué. Mas achei que, dados os comentários que aqui foram deixados, urgia que publicasse sobre este tema primeiro. 
 

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