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Contra a Indiferença

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

A visão de um cidadão activo e inconformado com certos aspectos e da sociedade.

Contra a Indiferença

07
Abr14

Deixemo-nos inspirar... Por palavras ou por atos?

Fernando Nobre

Caros Amigos,

 

no Dia Mundial da Saúde, partilho, mais uma vez, convosco, algumas das minhas preocupações sobre dois temas intrinsecamente ligados aos Objetivos do Milénio, nomeadamente a fome e a saúde, convidando-vos a ler aqui mais uma crónica publicada na Visão Solidária e a refletir sobre a importância de pugnarmos por ações concretas na prossecução de resultados visivelmente melhores.

15
Mar09

Cobaias Humanas – os testes de medicamentos no "3º mundo"

Fernando Nobre

Republico hoje a introdução que tive a honra de escrever para um dos livros que recomendo este mês, por achar que é um assunto pertinente e muitas vezes votado ao esquecimento ou obscurecido por aqueles a quem interessa que nao se saiba.


O livro de Sonia Shah, “As cobaias humanas – os testes de medicamentos no 3º mundo”, conta uma história de terror, infelizmente verídica! Ainda há pouco tempo, um amigo médico africano, com elevadas responsabilidades num organismo das Nações Unidas, contou-me as enormes pressões a que foi submetido para que desse cobertura ética e científica a um ensaio terapêutico que não respeitava minimamente as normas e os cânones exigidos pelos protocolos internacionalmente aceites sobre ensaios medicamentosos... O livro de Sonia Shah, fruto de uma investigação aprofundada e séria cita, e bem, nomes da indústria farmacêutica que, muitas vezes sob a cobertura de empresas de fachada, “testas de ferro”, praticam uma das mais abomináveis violações dos Direitos Humanos ao pôr em risco a integridade física de seres humanos, quando não a própria vida, sem o seu informado consentimento.


Essas actividades ilegais, verdadeiros crimes bioéticos, são sempre praticados junto dos grupos humanos mais miseráveis dos países mais vulneráveis, pese embora também nos países “mais” desenvolvidos tais actividades já tenham sido levadas a cabo no passado, em prisões e em asilos para deficientes psíquicos e mentais. Ao fim e ao cabo, a sinistra epopeia dos médicos malditos nazis durante a II Guerra Mundial não foi assim há tanto tempo…


Os desvarios bem documentados por Sonia Shah, que também dá rosto humano a muitas das esquecidas vítimas, são sempre eticamente condenáveis, porque como já referi, são verdadeiros crimes que deveriam ser exemplarmente punidos. Esses crimes só são possíveis, porque as empresas e as pessoas que os praticam estão enfermas com os vírus da ganância e da indiferença que as incentivam a praticar actos bárbaros na procura de ganhos financeiros astronómicos mesmo, e sobretudo, á custa de vidas alheias, porque miseráveis e anónimas.


Este livro fala de uma imoralidade monstruosa praticada contra vidas indefesas e contra a consciência humana. Esses pseudo-testes medicamentosos são levados a cabo com a exclusiva finalidade do embuste e do lucro sem limites, violando brutalmente os protocolos e preceitos ético-científicos internacionalmente conhecidos, junto de populações miseráveis como já referi, mas que faço questão de repetir, em países onde muitos responsáveis políticos e administrativos, médicos ou não, se mostram particularmente sensíveis e moldáveis à corrupção desses vampiros encobertos de “respeitabilidade”…


Quando seres humanos são vistos como meras cobaias sem qualquer direito perante empresários e cientistas gananciosos e amorais, enclausurados nas suas torres de marfim está mais do que justificado o livro corajoso que temos entre mãos.


É essencial relembrar que, como está escrito nos princípios de base da Declaração de Helsínquia, o bem individual da pessoa deve sempre prevalecer, em qualquer ensaio clínico, sobre os interesses da ciência e da sociedade. É também útil relembrar aos médicos e enfermeiros que a nossa razão de ser é o desejo de atenuar o sofrimento e de lutar pelos nossos doentes!


Sonia Shah, com este livro, pôs o dedo numa das chagas vivas do nosso tempo. Faço votos para que as pessoas leiam este livro, pois esta, como outras chagas da nossa Humanidade, têm cura. Para tal, bastará que não olhemos para o lado e nos empenhemos todos na luta contra a miséria humana e o subdesenvolvimento, pântano onde todas as sanguessugas se deleitam. Só com o fortalecimento da Cidadania Global Solidária, última muralha contra os horrores e os terrores como os que são aqui magistralmente retratado por Sonia Shaha, será possível pôr-se termo definitivamente a este tipo de desvario.


Por isso, obrigado e bem haja, Sonia! Este seu livro é mais uma pedra na edificação de uma Humanidade de valores que sonho, que todos sonhamos….

 

24
Fev09

O SIDA

Fernando Nobre

Foi em meados de 1983 que, sem saber, fui pela primeira vez confrontado com o temível, mas ainda quase desconhecido, síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA).

Estava em Bruxelas e operei um senhor ruandês muito magro; menos de um ano depois, morria das complicações do SIDA.

 

Na altura, dizia-se que o SIDA era um síndrome adstrito aos homossexuais, drogados e negros! Tal estigmatização tranquilizava os não homossexuais, não toxicodependentes e não negros! Depois, perante a nossa ignorância sobre o SIDA, veio o medo: ao examinarmos esses doentes era-nos aconselhado, no hospital, o uso de luvas, de batas, de máscaras... Perante a incerteza do contágio, era melhor protegermo-nos!

 

Então, ao terrível sofrimento dos doentes, acrescentámos o nosso afastamento e a nossa própria angústia, filha do nosso desconhecimento, do nosso medo.

 

Duros tempos de incerteza em que os bem pensantes moralistas não se inibiram de lançar os piores anátemas sobre o pecado do sexo.

 

Em finais dos anos 80, perdi pessoas conhecidas vindas do então Zaire: não eram negros, nem homossexuais, nem toxicodependentes. O círculo tinha-se alargado e, de repente, sentimo-nos todos ameaçados: medo das transfusões, do sexo ocasional e não só.

 

Estávamos todos no mesmo barco, já não havia mais lugar para a indiferença e a intolerância, essas duas terríveis doenças da mente que classifico como as piores doenças da Humanidade.

 

Pouco a pouco, graças aos movimentos da sociedade civil, às Nações Unidas e aos governos, foi possível uma sensibilização e uma tomada de consciência salutar sobre esse autêntico flagelo.

 

Desde então, passadas quase três décadas do início do surto epidémico, surgiu enfim um fraterno ímpeto de solidariedade e de compreensão (infelizmente nem sempre generalizado) para com os nossos semelhantes infectados pelo vírus, fossem eles hetero ou homossexuais, brancos ou negros, toxicodependentes ou não.

 

O caso dos hemofílicos do mundo inteiro chocou-nos pela dimensão do seu drama, do nosso drama, tanto individual como colectivo.

 

Desde então muitos progressos foram feitos, tanto na abordagem e sensibilização do síndrome como no desenvolvimento de novos fármacos e na maior acessibilidade, infelizmente ainda muito insuficiente sobretudo nos países mais pobres, dos doentes aos tratamentos.

 

O drama é também que o Mundo continua sem dispor de uma vacina eficaz e não se vislumbra o momento em que tal aconteça.

 

Para uma doença que já vitimou seguramente mais de 40 milhões de pessoas, que deixou muitos milhões de crianças órfãs e que representa um pesadíssimo fardo social e económico para os países mais atingidos, nomeadamente na África central e austral, temo que muito reste por fazer até nos darmos como satisfeitos no controlo, para não dizer na erradicação, dessa temível pandemia.

 

Não há tempo a perder: governos, cientistas, médicos e população em geral têm que unir esforços e vontades para que esta verdadeira “peste negra” do final do Século XX e início do 3º Milénio e o seu terrível cortejo de sofrimento e morte cesse. A criação do Fundo Global (destinado ao combate à Malária, à Tuberculose e ao SIDA) foi um importante primeiro passo, mas só com o empenhamento de todos o vírus imprevisível do SIDA será domado, como aconteceu com o da varíola.

 

Alerto: grandes regiões da África Central, Austral e do Leste estão a despovoar-se devido ao SIDA. Não esqueçamos que, associada à corrupção e à crise económica e social existentes, essa tragédia hipoteca o desenvolvimento e o futuro de África. E sem África o Mundo não será sustentável!

 

É urgente a criação de uma vacina eficaz e é indispensável que o preço dos testes e dos tratamentos já existentes seja acessível às populações de todo o Mundo. Se assim não for, nesta Casa Global que é o nosso Mundo, não controlaremos o flagelo.

 

Temos que continuar com o nosso esforço sem esmorecer. Ainda optimista quanto ao futuro do Ser Humano, não tenho dúvidas que acabaremos com o flagelo do SIDA: em nome dos doentes, da juventude actual, merecedora de uma sexualidade sem medos, e das gerações vindouras.

 

Hoje a guerra está longe de ser vencida mas já começamos a ganhar batalhas.

Estou certo que a Humanidade vencerá.

11
Fev09

Século XXI: Estamos apostados em vencer os desafios à Humanidade!

Fernando Nobre

Mais uma vez, sou tentado a colocar aqui um texto, escrito há 8 anos, que, pela actualidade que ainda mantém, considero pertinente.

 

 

Entrámos no Século XXI, esperançoso para muitos, assustador para bastantes mais e uma verdadeira incógnita para quase todos se exceptuarmos os inconscientes que, cegos pela sua megalomania financeira e pelo seu efémero e aparente poder, pensam tudo poder condicionar, dominar, manipular, operando a seu belo prazer, do ambiente à existência dos seus semelhantes. Tal é a cegueira, que nem se apercebem dos enormes desafios que os esperam, em grande medida como consequência directa dos seus egoísmos, insensatez e ganância, e que teremos de enfrentar e vencer no século que agora principia!

 

Acabamos de deixar, convenhamos que com poucas saudades, o Século XX, sem dúvida marcado pelo mais intolerável paradoxo:


1) Por um lado, assistimos a horrores:


a) Os genocídios, as matanças e as arbitrariedades provocadas pelas mentes doentias dos loucos sedentos de poder ou de hegemonia, como Hitler, Hiro Hito, Estaline, Mao, Pol Pot ou Pinochet, entre tantos outros, e de todos os seus acólitos. Inúmeros outros ditadores os sucederem, espalhando a morte, o terror e a barbárie do Ruanda à Serra Leoa, passando pela Libéria, Somália, Burundi, Angola, Colômbia, El Salvador, Congo, Bósnia, Chechénia e tantos outros... Mas tal só foi possível com a conivência e, tantas vezes até com o apoio das diplomacias das “Grandes Potências”. Diplomacias pouco ou nada democráticas, na medida em que, conduzidas quase sempre à revelia dos sentimentos e das aspirações dos nossos povos, se fossem postas à votação, de certeza não seriam sufragadas.

b) Do lado negro do Século XX, ainda de salientar as mentes geniais e brilhantes, mas cegas e loucas, dos cientistas que, enclausurados nos seus laboratórios e levados pela excitação da “descoberta”, omitiram as suas responsabilidades éticas perante a Humanidade e, deixando-se manipular por pressões políticas e “Razões de Estado”, conceberam e realizaram as bombas atómicas, químicas e bacteriológicas, de sinistra memória, que até hoje ameaçam de extermínio e enfermidades. E mais, sem acautelarem todas as possíveis implicações, lançaram-se desenfreadamente, como autênticos aprendizes feiticeiros, na manipulação genética criando os OGM (Organismos Geneticamente Modificados), verdadeira espada de Damocles suspensa sobre os agricultores e, por isso, sobre todos nós, tornando a Clonagem Humana uma assustadora realidade.

c) De salientar ainda o autismo social e alucinante que produziu a nossa civilização no século que findou: produziu riqueza e descobertas científicas inigualáveis na História mas infelizmente não soube ou, pior, não quis, por egoísmo ou indiferença, partilhá-las com toda a Humanidade, deixando-as reféns de uma minoria cada vez mais rica e mais detentora do saber e da alta tecnologia, perante uma maioria cada vez mais numerosa (a população mundial passou vertiginosamente de um para seis biliões de pessoas entre 1900 e 2000, vivendo actualmente metade destas pessoas amontoadas em megacidades; e serão cerca de 70 por cento em 2025. Já entrámos no assustador Milénio Urbano!) mais relativamente pobre e ignorante, mais ignorada e prisioneira do ciclo infernal das suas doenças esquecidas e da sua miséria, criando assim as condições objectivas que nos fazem entrar no século XXI com justificados receios e anseios das bombas sociais e ecológicas que deixamos armadilhar.

 


2) Por outro lado, tivemos a sorte e a alegria de assistirmos durante o século agora findo a acontecimentos extraordinários:


a) A medicina conheceu assinaláveis progressos, dos meios de diagnóstico aos tratamentos, permitindo a cura e a prevenção de enfermidades que povoam de terror, não há muito tempo, o nosso imaginário colectivo, mesmo no Ocidente, tais como a peste, a lepra, a tuberculose, a varíola, a sífilis, a cólera... pena é não se ter também investido e investigado de forma suficiente e empenhada as doenças que afectavam e continuam a afectar essencialmente os países mais pobres, tais como a malária (só há bem pouco tempo banida da Europa e que pode regressar mais depressa do que muitos pensam...), a doença do sono ou tripanosomíase, a biliarziose, a doença de Chagas, o dengue, a oncocercose, a leishmaniose, ... sem falar já da terrível pandemia do SIDA que, por si só, poderá parar ou gravemente condicionar o futuro desenvolvimento da África negra e da Ásia meridional, doença essa para a qual, para já, se vislumbram mais preocupações de controlo dos futuros mercados, com os enormes lucros financeiros daí decorrentes, do que em salvar as dezenas de milhões de africanos já condenados à morte certa.

b) O aperfeiçoamento e o desenvolvimento antes inimaginável da tecnologia, infelizmente não seguida por uma evolução espiritual tão intensa, levou-nos à Lua, às profundezas dos oceanos, à televisão, à telefonia mais sofisticada, à Internet, à informação/desinformação/manipulação instantânea, dita online, aos satélites espiões e outros ultra-sofisticados, à Ressonância Magnética e outras imagiologias médicas espectaculares, aos aviões supersónicos que fizeram de Lisboa e Moscovo duas aldeias vizinhas embora ainda muito incompreendidas, à maximização da produção agrícola e animal que levou a que, como nunca antes, o Mundo conhecesse uma produção alimentar globalmente excedente mas coexistindo com vastas regiões de fome e com o brinde, devido à ganância pelo lucro fácil das multinacionais da indústria agroalimentar, da encefalite espongiforme bovina e humana!

c) O acordar da sociedade civil mundial: este acordar é, quanto a mim, a grande esperança para o Século XXI. Os cidadãos do mundo inteiro entenderam enfim que “Democracia” não é apenas ter direito a voto e a falar! É também participar no dia-a-dia nas decisões e nas suas correctas implementações que condicionam as nossas vidas e a nossa Humanidade no seu concreto. Estou certo de que esta tomada de posição assumida pela Sociedade Civil Mundial, expressa muito claramente no I Fórum Social Mundial (que decorreu em Porto Alegre, no Brasil, recentemente), é irreversível no sentido da MUDANÇA POSITIVA tão necessária para os bem mais necessitados do Mundo. Espero muito sinceramente e esperançosamente que os “Senhores do Mundo” do G8, do FMI, Banco Mundial e outros, que se reúnem há décadas em Davos, entendam e entrem em diálogo rapidamente pois só assim se evitarão explosões sociais de terríveis consequências a curto e médio prazo!

 

Foi com este intolerável paradoxo do Século XX que entrámos no Século XXI, com todos os medos e anseios justificados, entre outros:


• da explosão demográfica, das imigrações em massa – já iniciadas e doravante inevitáveis com os seus nefastos acompanhantes, o racismo e a xenofobia.
• da instabilidade laboral e social e da subsequente exclusão e miséria que nos irão bater à porta, trazidas pela globalização, refém de um neoliberalismo selvagem, desregulado, sem humanismo e sem ética.
• das drogas para os nossos filhos.
• do SIDA, sobretudo para os países mais pobres,
• dos integrismos, fanatismos e outros fundamentalismos, religiosos ou não.
• da destruição irreversível dos recursos naturais.
• do descontrolo no uso das armas nucleares mesmo que “só” tenham urânio “empobrecido”.
• de já não sabermos o que podemos comer pois já não podemos confiar no que os responsáveis nos dizem, como o surto da BSE tem demonstrado em toda a Europa!
• da aceleração brutal que a vida levou, tornando tudo efémero, tudo instável, fazendo com que ninguém hoje tenha certezas e garantias para o “amanhã”.
• de saber se não seremos também produtos descartáveis e se os nossos filhos terão sequer tempo para nos vir dar um beijo, deixando-nos numa atroz solidão, solidão essa à qual são já votados muitos dos nossos anciãos depositados em “lares”, por vezes autênticas antecâmaras da morte por abandono!


São esses os desafios que vamos ter de enfrentar e vencer juntos, lutando por um novo padrão do Homem: um Homem que lute por ser e não por parecer, um Homem com uma mente virada não só para si mas também para o Outro e para o Mundo como partes integrantes do seu próprio Ser!


A evolução positiva do Mundo e do Universo, assim como a nossa própria evolução e bem-estar exige-o a todos nós! Vamos pois em frente e juntos venceremos todos esses desafios e medos e todos os demais que possam surgir!


Não estamos sós, pude confirmá-lo pessoalmente em Porto Alegre: os cidadãos do mundo inteiro estão a reagir! Eis, meus queridos amigos, o novo paradigma para o Século XXI, já que a Humanidade na sua lentíssima, mas mesmo assim, positiva caminhada ainda não logrou alcançá-lo. Com a nossa ajuda, os nossos netos irão certamente conseguir.

 

Publicado na AMInotícias nº19, 2001

 

14
Jan09

Viagem ao Zimbabué

Fernando Nobre

Parto hoje para o Zimbabué, no sentido de me assegurar que a equipa da AMI que lá irá trabalhar durante 3 meses e que partirá em breve, tem reunidas as condições mínimas para a sua estadia e adequado desempenho.

 

Nunca fui ao Zimbabué. É dos poucos países africanos que não conheço. Mas a população deste país precisa, urgentemente, de ajuda externa. O estado de saúde absolutamente precário em que vive aquela gente, e que a equipa da AMI que lá esteve em Dezembro constatou in loco, é grave. Há cólera. Mas há, infelizmente, mais: há muita malnutrição, há SIDA, há órfãos entregues a instituições que mal subsistem… enfim, uma série de males que fazem da população, como sempre, vítima de regimes, de políticas, da corrupção…

 

Deixo alguns textos programados. Certamente, durante alguns dias, não vou poder aqui responder aos desafios que me são colocados, nem desafia-los a mais uns debates. Mas, quando regressar, terei muito para escrever sobre assuntos que já deixaram de estar na ordem do dia, (infelizmente assim é… tudo é relativo na comunicação social e um grande drama humanitário pode ser facilmente esquecido se outra notícia se sobrepuser… seja a eleição de Cristiano Ronaldo como melhor jogador do Mundo ou a chegada de Obama à Casa Branca). Quando voltar (dia 20), o Mundo falará deste homem, e só deste homem.

 

Eu, aqui, também falarei do povo do Zimbabué.

 

13
Jan09

Falta de médicos

Fernando Nobre

Periodicamente somos confrontados, no nosso País, com notícias surpreendentes, e preocupantes, no que à falta de médicos diz respeito.
Como no último verão: ora serviços de pediatria e de ginecologia inoperativos por falta de especialistas em número suficiente para garantir os turnos, ora serviços de emergência médica em ambulância, nomeadamente no baixo Alentejo, parados pela mesma razão…
Tal levou inclusivamente a uma intervenção sui generis e peregrina por parte de um responsável da referida região de saúde (em sintonia com o que já anteriormente tinha afirmado um ex-titular da pasta da saúde) que referiu na altura, para a comunicação social, a necessidade para o nosso País, a fim de se precaver no futuro da repetição das mesmas situações caricatas e chocantes, de “recrutar médicos em África, no Uruguai e no Paquistão!”.


Para mim foi, no mínimo, surpreendente: essas repetidas declarações e tudo o que tem vindo a lume na comunicação social, demonstram que não só não fomos capazes, nos últimos quinze anos, de prever as nossas necessidades básicas, no caso em apreço de médicos (o que teria sido relativamente fácil), como mostram uma tremenda insensibilidade para com povos ainda mais necessitados do que o nosso.


Alguns dos nossos “responsáveis” ao afirmarem, com despudor e sem qualquer pejo, que estamos dispostos, para suprir as nossas mais que previsíveis e antigas necessidades de médicos, a esvaziar dos seus mais valiosos recursos humanos, países e regiões já de si muito carentes, estimulando a fuga dos seus quadros, só demonstram que foram e continuam a ser irresponsáveis: para o País e para esses países menos desenvolvidos!


Actualmente, devido a políticas imprevidentes que resultaram na insuficiência do número de médicos para garantir os serviços de urgência do País, está-se a caminho de exigir que os médicos façam bancos de urgência de 12 ou 24 horas mesmo depois dos 55 anos.
Se tal ideia vingar, perante a urgência da situação decorrente da falta de previdência governativa passada, espero que seja pelo menos optativa! Falo à vontade: não sou funcionário do Estado e por isso as medidas que venham a ser tomadas não me dizem respeito! Mas sei do que falo: fiz centenas de bancos nos serviços de urgência dos Hospitais Universitários de Bruxelas dos 22 aos 34 anos. Sei como seria muitíssimo duro hoje, com 57 anos, passar noites a fio sem dormir, sob enorme pressão e esgotamento e lidar com situações médicas e cirúrgicas de extrema responsabilidade e exigência…
Estamos perante uma situação surrealista: há 15 anos, ou mais, não soubemos ou não quisemos planificar as nossas necessidades básicas (saúde/médicos). Durante esse período, o Estado (Ministério da Saúde e Ministério da Educação), as Faculdades de Medicina e a Ordem Profissional obrigaram por distracção, omissão ou defesa cooperativista de uma classe, a emigração forçada de milhares de jovens valiosos, impedindo-os de fazer os seus estudos de medicina em Portugal, para agora se constatar uma situação de grave ruptura nessa profissão tão necessária para o País.
Esse desnorte, já de si muito grave, destruiu também sonhos, vocações e legítimas expectativas: muitos desses jovens necessitaram de acompanhamento médico e muitos nunca mais voltaram a ser os jovens esperançosos e dinâmicos que tinham sido, e milhares de famílias do nosso País foram afectadas. Conheço algumas e várias escreveram-me descrevendo as revoltas, frustrações e angústias…suas e dos seus filhos!
Muitos desses milhares de jovens obrigados a emigrar para concretizarem os seus sonhos e anseios, magoados e maltratados pelos irresponsáveis do seu país que montaram um sistema de selecção completamente estapafúrdio, injusto e inconsequente, nunca mais regressarão ao nosso país porque a sua formação além fronteiras não é devidamente valorizada, porque por lá criaram novos laços familiares e porque preferiram ou preferem ficar nos países onde se formaram (Espanha, França, Bélgica, Inglaterra, República Checa, EUA, Itália…) ou são aliciados para outros países onde são e serão melhor acolhidos e remunerados como a Suécia…
 

E eu ouso fazer esta simples pergunta: em nome do nosso País lesado, hoje em carência grave de médicos, em nome dos nossos doentes, que padecem da falta de médicos que poderiam e deveriam ter se tivesse havido correcta planificação e organização, e em nome dos jovens e famílias, afectados por tamanha incúria, os responsáveis pelos desmandos dos últimos quinze anos, ou mais, sobre a matéria em apreço, nunca assumirão os seus erros e nunca serão chamados à razão?
 

 

 

02
Jan09

Povos e Doenças Esquecidos

Fernando Nobre


Um dos grandes paradoxos da nossa época, que pretende ficar na História da Humanidade como sendo a época da Mundialização, é que muitos povos e as suas maleitas, continuam votados a um completo ostracismo e a um mortífero esquecimento. Tal facto é tanto mais inaceitável que, mercê de um desenvolvimento tecnológico sem equivalência histórica, nunca como hoje se produziu tanta riqueza no Mundo, nunca como hoje se acumulou tanto saber científico capaz, se bem orientado, de debelar as grandes pandemias que afectam largas centenas de milhões de pessoas e nunca como hoje foi possível estarmos instantaneamente informados do infortúnio desses povos.

Tais factos fazem com que o esquecimento a que é condenada uma parte muito significativa da Humanidade se torne, a meus olhos, ainda mais intolerável e inaceitável! Estamos todos a assistir a um verdadeiro genocídio quotidiano, verdadeiro terrorismo silencioso porque silenciado que, à semelhança de outros tão justamente noticiados, deveria ser vigorosamente combatido. Não há dúvida de que tal fenómeno, é o grande gerador, presente e futuro, da espiral de frustração, de humilhação, de desespero e de violência que já nos atinge por ricochete.

 

Senão vejamos:

Hoje, as doenças esquecidas ou não suficientemente combatidas, tais como a malária, a tuberculose, a Sida, a doença do sono, a leishmaniose, a biliarziose...matam todos os anos mais de 15 milhões de pessoas no mundo. Se acrescentarmos a esta verdadeira hecatombe a morbilidade provocada por essas doenças assim como por outras, também elas esquecidas, como a oncocercose (“cegueira dos rios”), as diversas e graves avitaminoses tipo beribéri, o dengue... estaremos, no concreto, a levar esses povos a um subdesenvolvimento sem retorno. Tudo o resto é retórica oca e demagogia assassina! Está em curso um autêntico genocídio perante a indiferença global! Somos todos passíveis de julgamento histórico de “ não assistência a povos em perigo”! Ainda há poucos anos participei em Genebra, como observador convidado, na reunião do restrito grupo (apenas 12 organizações internacionais mais a AMI e o CICV como observadores) da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a vigilância da oncocercose e fiquei literalmente aterrado ao constatar que essa doença, cujos efeitos devastadores bem conheço (pois nos Camarões a AMI financia projectos nessa área há anos), poderá afectar a vida de cerca de 125 milhões de pessoas com tendência para aumentar em mais de 40 países (36 em África e 6 na América Latina), nomeadamente Angola, Guiné Bissau, Moçambique e Brasil...

Se ao atrás referido acrescermos, como é de todos conhecido, que: 
- cerca de 40.000 crianças morrem diariamente ( o apagar de uma cidade como Portimão todos os dias!) por insuficiente cobertura dos programas de vacinação e por inacessibilidade aos medicamentos eficazes já existentes nomeadamente para as infecções intestinais e respiratória. (Não chega a 10% - dos cerca de 60 biliões de USD da investigação médica mundial anual - o montante para os problemas de saúde que afligem 90% da população mundial. Por outro lado, menos de 1% desses investimentos destinam-se à investigação da malária, tuberculose, pneumopatias, diarreias...que tantas vidas ceifam nos países em desenvolvimento!) 
- desde 1975 apenas foram lançados no mercado à volta de 25 novos fármacos de combate a doenças tropicais, dos quais 12 para as afecções veterinárias...
- a Organização Mundial do Comércio (OMC), sob a pressão do poderosíssimo lobby das multinacionais farmacêuticas, (só forçada pela pressão de organizações humanitárias, que gritavam perante o escândalo e de países como o Brasil e a Índia) é que muito recentemente entreabriu a porta, com muitas precauções e limitações, permitindo que esses países pudessem produzir medicamentos a baixo preço, 10 vezes mais baratos, para os seus doentes com SIDA. Sob pretexto da defesa das patentes, uma obstinação feroz que custou a vida a milhões de pessoas! Refira-se que muitas dessas patentes resultaram, e resultam, da pesquisa em matérias primas recolhidas nesses mesmos países que, para tal, nunca receberam ou recebem nenhuma compensação!
- cerca de 2 milhões de pessoas morrem de fome por ano. Para acabar com esse flagelo e vergonha bastaria que se destinasse a esse combate o montante das verbas gastas nos EUA, ou na nossa rica Europa, em produtos de beleza e em roupas para cães e gatos... Surpreendente, NÃO?

 

Perante tais desmandos e desgovernação global só resta uma das seguintes opções:
1) Pactuar com os cínicos, oportunistas, derrotistas e ...indiferentes;
2) "Suicidar-se" com os que desesperam da condição humana não prevendo para ela qualquer futuro ou melhoria; ou
3) Gritar, sensibilizar e actuar para quem ainda tenha uma réstia de sensibilidade, humanismo, resistência, caracter e coerência, é o que temos feito na AMI. Lançando os nossos gritos de rato, de protesto, mas que esperamos construtivos, sempre que se justifica e que tenhamos a possibilidade de o fazer!

 

Mas ao gritarmos, será que alguém nos ouve? Por isso é sobretudo necessário agir.

É exactamente esta problemática, “Segurança e Dignidade das Populações”, que me leva a participar, desde há 10 anos, nas Conferências Anuais das Nações Unidas com as Organizações da Sociedade Civil Mundial em Nova Iorque.

Como as Nações Unidas, entendo que só pugnando pelo direito à DIGNIDADE de todos os homens, o que implica lutarmos todos para garantirmos a todos a satisfação das necessidades mais básicas, como a alimentação, a saúde, a educação, a liberdade de consciência...é que teremos um Mundo em SEGURANÇA, em PAZ e sem terrorismos, venham eles de grupos terroristas integristas (independentemente da religião adulterada invocada), de certos países ou de certas atitudes tais como a indiferença e a intolerância.

Este é o meu pensamento sincero e reflectido.
 

25
Dez08

Chernobyl

Fernando Nobre

Dia 28 de Julho de 2008, mercê de uma autorização especial do governo ucraniano, visitei o complexo nuclear de Chernobyl.
Vinte e dois anos antes, dia 26 de Abril de 1986, após poucos meses da sua inauguração, explodiu (Erro humano? Técnico? Até hoje não se sabe…) o reactor nuclear nº 4, o mais recente e moderno dos quatro reactores do complexo nuclear lançado em 1970, deixando escapar desde então material radioactivo, equivalente disseram-me in loco, a umas 500 bombas nucleares semelhantes às que foram lançadas em Nagasaki ou Hiroshima.
Nesse dia a Ucrânia, a Europa e o Mundo estiveram à beira de uma imensa tragédia. Felizmente:
1. O vento levou a maior parte da nuvem radioactiva para a floresta fronteiriça com a Bielorrússia e não para a capital ucraniana, Kiev a mais ou menos 100 km, já então com cerca de 4 milhões de habitantes;
2. O incêndio provocado pela explosão do reactor nº 4 não se propagou aos reactores nº 3 (instalado paredes meias com o nº 4), nem aos outros dois situados a uns 500 metros...
Mesmo assim foram evacuadas à volta de 600 000 pessoas de Chernobyl e das vilas e aldeias vizinhas num raio de 60 km, ainda hoje fantasmagóricas ou apenas retomando lentamente vida.
Terão morrido centenas ou milhares de pessoas (efeitos imediatos ou a longo termo): ninguém sabe ao certo!
O que eu sei é que ainda hoje, passados mais de 22 anos da tragédia:
1. Não mais de 60% das salas do reactor nº 4 foram exploradas, estando as outras 40% inacessíveis pelo nível de radioactividade, sendo que os trabalhadores que entram na central ou tentam tapar os buracos da cobertura do deficiente caixão betão/metal (ferrugento e apodrecido), só ali podem trabalhar 10 a 12 minutos por dia mesmo devidamente apetrechados.

2. Por onde andei, nas vizinhanças do reactor nº 4, sempre acompanhado por um contador de radioactividade, fui submetido a radiações 20 a 300 vezes superiores ao normal!

3. Num hospital especializado de Kiev, que visitei em Fevereiro de 2008, continuam a morrer em quantidade anormal, pessoas com cancros diversos, devido à catástrofe de Chernobyl.

4. Na cidade de Chernobyl, junto ao complexo nuclear, só vivem hoje cerca de 1 500 pessoas das 136 000 que ali habitavam. De salientar, que os reactores nucleares nº 1, 2 e 3 só foram encerrados em 1991, 1996 e 2000 respectivamente! Ou seja, 5, 10 e 12 anos depois da tragédia…

5. É preciso urgentemente fazer um novo e definitivo sarcófago que isole o reactor nº 4. Lamentavelmente, até hoje, a Comunidade Internacional ainda não encontrou os fundos necessários…

6. Os rios e lençóis freáticos foram e continuam a ser contaminados e ainda hoje ninguém sabe ao certo o que se passa no “coração” do reactor que explodiu em 1986.

7. Na Bielorrússia 20% da população vive em regiões contaminadas e setenta aldeias foram para sempre soterradas ou abandonadas.
Por tudo isto, não obstante me garantirem que a próxima geração das centrais nucleares na Europa será 100% segura (?!) quando no nosso país, se começa a aventar a possibilidade da necessidade de energia nuclear, pese embora os “incidentes” recentes na França, Espanha, Suécia, Alemanha… afirmo, mais do que nunca, NÃO à energia nuclear.
Em Portugal temos tantas alternativas! Sol, vento, rios, marés…! Não temos qualquer desculpa para hipotecar, nem que seja com os resíduos nucleares, o futuro de dezenas ou centenas de gerações.


Haja bom senso!
 

 

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